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O Ministério da Infraestrutura e a logística brasileira

Por Paulo Roberto Guedes em 18 de janeiro de 2019 às 11h51 (atualizado às 11h57)
Paulo Roberto Guedes

Num prazo mais longo, o desenvolvimento e o crescimento econômicos somente poderão ser alcançados e sustentados quando as condições econômicas e sociais possibilitarem investimentos significativos e eficazes, em projetos e programas que tenham como objetivos o aumento da produtividade dos fatores de produção. E se em épocas de crise, como a do Brasil atual, já é preciso priorizar investimentos em educação, saúde e segurança, investir em infraestrutura também passou a ter importância fundamental. Investimentos voltados à infraestrutura de uma forma geral (saneamento, energia, telecomunicação e transporte) e ao transporte multimodal em particular.

“A competitividade de diversos segmentos econômicos está vinculada à estrutu­ração das cadeias de fornecimento de insumos e de distribuição de bens produzidos no país. Ela não se restringe ao processo produtivo, mas estende-se às cadeias de suprimento, de tal modo que é usual ouvir-se que as próprias cadeias estão em com­petição. Essa aptidão competitiva, por sua vez, está diretamente ligada à capacidade das empresas de reduzir custos logísticos, especialmente os custos de transporte e de estoques, sejam eles de produtos manufaturados, semimanufaturados ou básicos”, conclui de forma categórica o BNDES, ao fazer uma correta análise sobre os verdadeiros desafios e oportunidades para o Brasil do futuro (“Panoramas Setoriais 2030”, publicado no final de 2017).

E se o aumento da competitividade, empresarial ou de um país, exige melhor desempenho da logística, o transporte, por sua vez, será cada vez mais eficiente na medida em que, via matriz de transporte menos dependente do rodoviário, tenha a multimodalidade como uma de suas principais características. Aliás, como ocorre nos países mais desenvolvidos do mundo e que, não por coincidência, ocupam as primeiras colocações no ranking de desempenho logístico, periodicamente publicado pelo Banco Mundial. O Brasil, em 2017, ocupou a 55ª posição entre 155 países avaliados, indicando que é cada vez maior o distanciamento entre o país e os países mais desenvolvidos, quando se comparam algumas características da infraestrutura de transportes.

Esse “distanciamento” pode ser constatado com apenas alguns exemplos: enquanto os Estados Unidos têm mais de 4,4 milhões de quilômetros de estradas pavimentadas, o Brasil tem 212 mil km (e ainda assim, segundo pesquisa realizada pela (Confederação Nacional dos Transportes ) CNT, sobre o estado geral das estradas brasileiras, com 62% delas classificadas como regulares, ruins e péssimas). A China tem 22 vezes mais rodovias asfaltadas do que o Brasil, a Índia cerca de 16,5 vezes e mesmo o Japão, país com dimensão territorial 22,5 vezes menor, tem cerca de quatro vezes mais estradas asfaltadas; os EUA têm cerca de 225 mil km de ferrovias, contra 29 mil km do Brasil; enquanto norte-americanos já utilizam cerca de 2.840 mil km de dutos, nossa estrutura dutoviária não supera os 19 mil km; e se utilizamos apenas 14 mil km de nossas hidroviárias para a realização de transportes, a China conta com mais de 127 mil km, isto é, mais de nove vezes. Há nos países mais desenvolvidos, portanto, reais condições para que o transporte multimodal seja bastante praticado.

As causas para esse “atraso logístico” brasileiro são diversas, mas o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) ao publicar, em agosto de 2017, o estudo “Desafios de uma Nação”, mostra claramente que a falta de investimentos – público e privado – em infraestrutura de transporte é o que mais tem prejudicado o país. As quedas nos níveis de investimentos em infraestrutura de transporte são pra lá de significativas. Segundo dados de Claudio Frischtak (Inter.B Consultoria), enquanto na década de setenta do século passado os investimentos em infraestrutura de transporte (todos os modais) equivaliam a 2,36% do PIB brasileiro, em 2013 esse percentual caiu para 0,96% e em 2017 para apenas 0,59%. Dados preliminares dão conta que em 2018 apenas será investido, em infraestrutura de transportes, o equivalente a 0,61% do PIB, isto é, quase quatro vezes menos do que há 40 anos.

Na verdade, nos últimos 20 anos e segundo estudos do Banco Mundial, o Brasil investiu abaixo da própria taxa de depreciação natural, diminuindo ainda mais o estoque de infraestrutura existente. Especificamente em transportes, segundo estudos de Cláudio R. Frischtak e João Mourão, o estoque de infraestrutura de transporte alcançou o equivalente a 12,1% do PIB brasileiro (em 1983 eram 21,4%). Ainda, segundo dados da Inter.B Consultoria, para se alcançar um estoque de infraestrutura de transportes que proporcione o mesmo nível de competitividade e de bem estar da população dos países mais desenvolvidos, seria preciso investir o equivalente a 2% do PIB ao ano, pelo menos durante 20 anos seguidos, ou seja, três vezes mais do que os investimentos observados nos últimos anos. O Ipea diz que o Brasil precisaria, entre outras providências, dobrar os investimentos em infraestrutura (saneamento, eletricidade, comunicação e transportes), caso queira dobrar a renda per capita brasileira nos próximos 30 anos.

Os resultados dessa falta de investimentos (ou interesse) são sobejamente conhecidos e constatados por todos aqueles que necessitam da logística – e todos precisam - para concretizar seus negócios. As estatísticas apenas comprovam o que já se sabe: infraestrutura irrisória quando comparada com o tamanho e as necessidades do país, matriz de transporte demasiadamente dependente do modal rodoviário e custos acima da média mundial. Dados do Instituto de Logística (Ilos) mostram que o custo logístico brasileiro de 2017 foi equivalente a 12% do PIB nacional. Enquanto nos Estados Unidos esse custo representa 7,7% do PIB americano, no Japão esse percentual é de 8,0% e na Alemanha 8,5%. A média mundial está na casa dos 11%. Como participação na receita operacional líquida das empresas, os custos logísticos no Brasil representam 10,7%.

“É óbvio que no caso brasileiro, os custos logísticos são majorados pelo uso preponderante do modal rodoviário no transporte de cargas em longas distâncias, pela falta de quali­dade da infraestrutura (física e de gestão) e pelas dificuldades de integração racio­nal do fluxo logístico, gerando estoques indesejáveis” (Visão 2035 - Brasil, país desenvolvido, estudo elaborado pelo BNDES e publicado em abril deste ano). A matriz brasileira de transportes, com ênfase no modal rodoviário, torna quase impossível a utilização da multimodalidade, caminho mais inteligente para aproveitar todas as vantagens de cada meio de transporte, complementares e não concorrentes. O modal rodoviário responde por 61% das cargas transportadas (conceito TKU – tonelagem por quilômetro útil) e 87% do custo total. Altíssimos índices no roubo de cargas (cerca de 20 mil ocorrências e prejuízos acima dos R$ 1,2 bilhão ao ano) e em acidentes de tráfego (mais de 96 mil por ano, com custos equivalentes a R$ 11 bilhões – dados da CNT para 2016), são outros dados que confirmam o estado “calamitoso” em que se encontra o transporte no Brasil.

As causas dos problemas, além de fartamente conhecidos, são dos mais variados tipos: confusão funcional dos diversos órgãos que discutem e “planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país; desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas; politização dos cargos nas agências reguladoras, nos ministérios e nos departamentos técnicos especializados no assunto; indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios; fragmentação dos núcleos de gerenciamento; e falta de políticas claras de investimentos, de participação do setor privado e garantias correspondentes, são algumas das variáveis que aumentam ainda mais as dificuldades para que se pratica uma logística eficaz.

Evidente que esse setor, já há algum tempo, não faz parte das prioridades nacionais, transformando problemas difíceis em “quase” impossíveis de serem resolvidos. E sempre se avolumando. A greve dos caminhoneiros do mês de maio do ano passado – que ressalta apenas uma das causas do problema, sem contanto discutir sua verdadeira essência -  é apenas um dos diversos exemplos de como o transporte de cargas é tratado neste país. E se considerarmos que o setor ainda carece de verdadeiros líderes - que não sejam míopes e se comprometam com os reais interesses do setor e do país – o encaminhamento das soluções e/ou o equacionamento dos diversos problemas que atingem o setor, parecem ficar cada vez mais para o futuro.

Como comentado em artigo anterior, muitas esperanças foram depositadas com a criação do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit), vinculado diretamente à Presidência da República em 2001, cujo objetivo maior era o de propor políticas nacionais de integração dos diferentes modos de transporte e pessoas e bens, e da Empresa de Planejamento Logístico (EPL), criada em 2012 para planejar e promover o desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de alta velocidade de forma integrada com as demais modalidades, e prestar serviços na área de projetos, estudos e pesquisas destinados a subsidiar o planejamento da logística e dos transportes, em todas as suas modalidades. Infelizmente esses dois órgãos, juntamente com outra dezena de intervenientes, pouco fizeram e complicaram ainda mais o “estabelecimento correto de prioridades e a integração das atividades logísticas e de transportes”.

A CNT, ao elaborar o documento “O Transporte Move o Brasil – 2018”, encaminhado aos candidatos à Presidência da República, estimou em R$ 1,7 trilhão o total de investimentos necessários para que o Brasil adeque e expanda sua malha viária de acordo com as necessidades atuais. Pergunta-se: “é possível imaginar como isso poderá ser feito sem planejamento e políticas claras e integradoras?”

Na semana passada, entretanto, por meio do Decreto nº 9.660, o governo Bolsonaro subordinou a (Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a EPL, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuário (Infraero)) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), ao recém criado Ministério da Infraestrutura, cujo titular é o Sr. Tarcísio Gomes de Freitas, engenheiro civil e ex-diretor do Dnit. A medida foi publicada dia 2 pp no Diário Oficial da União.

Como se sabe, as agências reguladoras citadas no parágrafo anterior, criadas como autarquias (órgãos da administração pública indireta que tem personalidade jurídica própria e que desempenham funções do Estado, de forma descentralizada e que podem atuar em todas as esferas de governo. Embora fiscalizadas e subordinadas ao Estado, executam serviços que interessam à toda a sociedade. Geralmente tem atribuições especiais com objetivos de fiscalizar ou regulamentar profissões, associações públicas ou atividades específicas), são responsáveis pela autorização (outorga ou permissão), regulação, fiscalização e controle (com poder de “desautorizar”) da prestação dos serviços públicos voltados ao transporte de passageiros e de cargas, nos modais específicos a cada uma delas.

Há opiniões favoráveis e contrárias sobre essa decisão de unificação. Muitos a criticam, alegando que as diversas atividades que caracterizam cada um desses órgãos deixará de ter um “olhar especialista”, com perda de eficiência, agilidade e conhecimento mais aprofundado. Outros elogiam, acreditando que essa unificação propiciará desburocratização, “desaparelhamento político”, menores custos e maior integração das medidas pertinentes a serem tomadas. O fundamental, entretanto, é que as agências reguladoras, que agora fazem parte do Ministério da Infraestrutura, desempenhem papel inovador e adaptado à nova realidade, na qual o aumento de complexidade operacional da logística, a necessidade de se estabelecer novas relações com as concessionárias de serviços, qualificar ainda mais os serviços prestados e estabelecer preços justos e corretos, são exigências indiscutíveis.

O Ministério da Infraestrutura, portanto, ao ‘absorver’ as atividades de cada um dos órgãos a ele vinculados, deverá cuidar, em resumo, das políticas nacionais de transportes, em todos os seus modais (rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroportuário, aeroviário, multi e intermodal) e de trânsito (formulação de diretrizes, planejamento, regulação, normatização e gestão), além da formulação de políticas e diretrizes para o desenvolvimento e fomento e avaliação de medidas, programas e projetos de apoio à infraestrutura e superestrutura pertinentes. Inclui-se, também, a formulação e a supervisão da execução da política relativa ao Fundo da Marinha Mercante, destinado à renovação, à recuperação e à ampliação da frota. Como “herdeiro” das atividades da EPL, também participará do planejamento estratégico e da definição das prioridades dos programas de investimentos em transporte. Tudo isso sempre em consonância com os demais órgãos governamentais competentes e com atenção às exigências da mobilidade urbana (responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional), acessibilidade e proteção do meio ambiente.

Considerando algumas das tendências mundiais dos próximos anos, tais como aumentos nas demandas por energia, alimentos (inclui-se a água) e infraestrutura social (e consequente aumento das tensões sociais), impacto crescente da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados (Indústria 4.0, por exemplo), maior urbanização (mais ‘gente’ e maiores dificuldades de mobilidade), necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança, é fundamental que o Ministério da Infraestrutura, ora constituído, se engaje em uma frente de trabalho que dê, ao Brasil, uma infraestrutura moderna e muito mais competitiva que a atual, contribuindo direta e efetivamente para a diminuição das tensões sociais e da própria desigualdade, na medida em que contribuirá para a redução de custos e o aumento da rapidez e da abrangência das atividades logísticas.

Ousadamente, mas sem a pretensão de esgotar o assunto, listo a seguir, algumas providências que julgo necessárias: 1. Definição clara dos marcos legais e regulatórios para os setores de transportes, portos, aeroportos, rodovias e ferrovias;

2. Adequação de todo o arcabouço legal do setor, como forma de se evitar discussões e entendimentos desnecessários e insegurança jurídica;

3. Participação efetiva na discussão sobre a reforma tributária, como forma de viabilizar a implantação do Operador de Transporte Multimodal (OTM) e diminuir o impacto tributário sobre o setor de infraestrutura;

4. Estimular a construção de armazéns, notadamente nas zonas agrícolas, afim de manter compatibilização entre volume produzido e capacidade de escoamento;

5. Elaboração e proposição de programas de incentivo à construção de terminais intermodais, inclusive junto aos rios navegáveis, entroncamentos rodoferroviários e centros de abastecimento e distribuição;

6. Elaboração e proposição de programas de incentivo à construção de pátios de transferência nos portos, harmonizando os interesses dos municípios envolvidos e desobstruindo os acessos urbanos e as zonas portuárias;

7. Harmonização das políticas de infraestrutura com o meio ambiente, patrimônio histórico e demais áreas anuentes e de interesse, como forma de se evitar embargos e soluções de continuidade nos licenciamentos e outorgas de projetos futuros;

8. Elaboração e proposição de estudos que, de fato, estimulem a cabotagem. Desoneração dos combustíveis, incentivo da construção naval e flexibilização de bandeira, por exemplo;

9. Elaboração de programas que estimulem a utilização das novas e modernas tecnologias, a maioria disponíveis no país, nas operações de transporte e logística, como forma de aumentar a produtividade e diminuir os custos correspondentes (estudos da McKinsey do ano passado, por exemplo, sugerem que somente o monitoramento eficiente de mercadorias, em tempo real, no transporte rodoviário, poderá reduzir os custos até em 25% e o estabelecimento inteligente de rotas, em até 20%);

10. Elaboração de programas que aumentem a capacitação da mão de obra envolvida, não só para aumentar a eficiência profissional mas, principalmente, para transformá-la em verdadeiro capital humano;

11. Garantia de fontes de financiamentos para modernização de todos os modais de transporte, da infraestrutura correlata e das tecnologias operacionais.

Para isso é fundamental que esse novo ministério reduza as sobreposições das atividades governamentais, harmonize as políticas estabelecidas nas diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal) e alinhe as políticas das agências reguladoras envolvidas. Aliás como já propõe o Plano Nacional de Logística (PNL – Cenário para 2025) elaborado pela EPL, que tem como principais objetivos “identificar e propor, com base no diagnóstico de infraestrutura de transportes, soluções que propiciem condições capazes de incentivar a redução dos custos, melhorar o nível de serviço para os usuários, buscar o equilíbrio da matriz, aumentar a eficiência dos modos utilizados para a movimentação das cargas e diminuir a emissão de poluentes”.

O Ministério da Infraestrutura e a logística brasileira

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