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Sustentabilidade ambiental é um tema fundamentalmente econômico

Por Rafael Fanchini em 7 de março de 2024 às 16h27
Rafael Fanchini

Apesar do título provocador, é preciso destacar que sustentabilidade ambiental é, antes de tudo, um problema ambiental global, crítico e urgente.

No entanto a história mostra que problemas coletivos cujas soluções demandam ações individuais são resolvidos efetiva e fundamentalmente por meio de instrumentos econômicos que impõem à condição de “não fazer nada” um custo maior do que o custo de “fazer alguma coisa”. Esse é o princípio por trás das regulações em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Empresas brasileiras de todos os setores têm visto o tema sustentabilidade ambiental fervilhar a cada dia.

Clientes, conselhos de administração, agentes reguladores, bancos, agências de rating, bolsa de valores. Esses são alguns dos mais emblemáticos atores pressionando empresas em todo o mundo a combaterem o problema das mudanças climáticas.

Para contextualizar, a solução do problema requer ações que viabilizam o principal objetivo do tão famoso Acordo de Paris: limitar o aumento da temperatura da terra a 1,5 graus Celsius até 2050.

Sustentabilidade ambiental é um tema fundamentalmente econômico

O Acordo de Paris é um tratado internacional assinado em 2015 durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O objetivo principal do Acordo de Paris é combater as mudanças climáticas, limitando o aumento da temperatura média global abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, e buscando esforços para limitar o aumento a 1,5 graus Celsius.

Trata-se simples e objetivamente de um movimento de mão única cuja intensidade só vai começar a diminuir quando dados confirmarem, indubitavelmente, que estamos trilhando um caminho consistente e perene de descarbonização global. A propósito, ainda estamos muito, muito longe disso.

O Projeto de Lei 2148/2015 que estabelece o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, aprovado em dezembro pela Câmara dos Deputados e agora em análise pelo Senado Federal vai ser uma das forças mais contundentes e efetivas no combate às mudanças climáticas no Brasil. Como toda legislação concebida em meio a um ambiente democrático sadio, a redação atual tem recebido afagos e críticas de setores variados, mas a percepção geral é de que se trata de um bom arcabouço regulatório resultante de um debate amplo.

Em paralelo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou em outubro do ano passado a Resolução 193 que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas a sustentabilidade ambiental, que tem como base as normas IFRS S1 e S2 publicadas pelo International Sustainability Standards Board. Com base nessa resolução, as empresas de capital aberto serão obrigadas a publicar tal relatório, assegurado por auditor independente, a partir de 1 de janeiro de 2026.

Por trás de todas as regulações e pressões exercidas e percebidas pela sociedade, está a essência da solução do problema. A descarbonização da economia.

Para que o Brasil alcance a condição “net zero” até 2050, a maneira como a sua economia opera vai ter de mudar radicalmente. De maneira simplificada, até lá, o país vai precisar “zerar” suas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Trata-se de um processo profundo de substituição tecnológica a ser implementado por todos os setores da economia, com impactos em todas as empresas e processos produtivos. E sim, isso vai demandar uma quantidade enorme de capital para que todas as empresas se adequem à inevitável realidade que está chegando.

"Net zero" refere-se a um estado em que uma entidade, como uma empresa, indivíduo, evento ou até mesmo um país, reduz o máximo possível suas emissões de carbono liberadas na atmosfera, e compensa as emissões restantes por meio de instrumentos de crédito de carbono.

E de onde virá todo o dinheiro para que esse processo aconteça? Uma pequena parte virá, certamente, de incentivos governamentais nas formas tradicionais de subsídio e benefícios fiscais. No entanto, vale destacar que esse mecanismo existe para, fundamentalmente, estimular a competitividade do país no cenário internacional alavancando e catalisando o nascimento e o desenvolvimento de segmentos econômicos estratégicos. Isso faz com que essa opção não deva ser uma alavanca relevante para a solução do problema. Uma parte substancial virá de ganhos de produtividade gerados por inovações tecnológicas e melhorias de eficiência operacional que permitam que empresas consigam “fazer mais com menos” assim como “fazer diferente”. Nessa rubrica se encaixa o programa Nova Indústria Brasil lançado em janeiro. Linhas de financiamento a juros diferenciados para empresas conectadas à agenda ambiental vão também cumprir um papel nessa jornada. E por fim, uma parte relevante virá da propensão dos clientes finais em pagarem um prêmio embutido no preço dos produtos e serviços ambientalmente amigáveis.

Sustentabilidade ambiental é um tema fundamentalmente econômico

Essa visão simplista certamente inspira debates enérgicos cujo pano de fundo é o impacto econômico gigantesco que esse processo vai trazer para as economias de todos os países, todas as empresas e todas as pessoas. Perguntas sem resposta não faltam, mas vale lembrar que o cerne da questão é a necessidade de estabelecer as bases econômicas que permitam o planeta terra se manter prosperamente habitável para filhos, netos e outras gerações vindouras. Sem exageros, trata-se da manutenção das condições de existência de vida na terra como conhecemos.

Um dos segmentos econômicos mais importantes da economia, o transporte de carga, tem uma responsabilidade importante sobre o problema e, consequentemente, sobre a solução. No Brasil, trata-se da quarta atividade econômica que mais emite gases de efeito estufa na atmosfera.

Trazendo o Acordo de Paris à baila, idealmente, todos os veículos dedicados ao transporte de carga, no mundo, terão de substituir o petróleo por combustíveis não poluentes até 2050. Esse cenário pode parecer utópico, ilusório, fantasioso à primeira vista, mas absolutamente nada indica que isso não vai acontecer. Em termos práticos, a pergunta não está mais vinculada a “se”, mas sim a “quando” isso vai acontecer. E a meta estabelecida no Acordo de Paris é 2050.

As discussões e os movimentos de mercado indicam que a solução para o segmento de transporte de carga será uma combinação de tecnologias movidas a biocombustível, eletricidade e hidrogênio. A propósito, tecnologias que ainda não são economicamente viáveis. Isso implica que, do ponto de vista prático, o segmento de transporte de cargas ainda tem opções muito limitadas para destravar seu processo de descarbonização.

Ainda que essa seja uma constatação muito inconveniente à luz da solução do problema, ela representa um contexto relativamente positivo para o segmento do transporte de carga. Essa realidade dá algum respiro aos operadores de transporte para se prepararem para agir de maneira contundente quando os fatores econômicos começarem a convergir na direção da descarbonização do segmento.

Por outro lado, e por uma série de fatores, uma parte dos embarcadores no Brasil está começando a se movimentar para contribuir com a solução do problema. A face mais prática desse movimento é a relevância que os planos de descarbonização estão tomando na agenda estratégica das empresas. Um aspecto notável é que uma parte considerável dos planos de descarbonização dos embarcadores depende da descarbonização dos seus provedores de transporte. Essa é a origem das crescentes pressões percebidas pelos operadores de transporte no sentido de reduzirem suas pegadas de carbono.

Pegada de carbono refere-se à quantidade total de emissões de gases de efeito estufa, expressa em unidades de dióxido de carbono equivalente, associadas a uma atividade específica, produto ou entidade ao longo de seu ciclo de vida completo.

Dada a dependência mútua entre embarcadores e operadores de transporte no processo de descarbonização, a resposta mais efetiva para a elaboração de uma solução para o problema passa pela construção de um ambiente cooperativo. Embarcadores dependem dos operadores de transporte para realizarem seus planos de descarbonização, e operadores de transporte dependem da disposição dos embarcadores para pagarem a conta financeira desse processo. Historicamente, esse último contexto promove um ambiente bastante conflituoso, que à luz dos desafios da sustentabilidade ambiental, não gera resultados melhores do que paralisia e ineficiência.

Ainda assim, a substituição tecnológica vai acontecer! O custo incremental desse processo vai existir! Os operadores de transporte não têm e não terão capacidade para absorver individualmente esse custo! Isso tudo está dado. A única variável sobre a qual as partes têm algum controle é o tempo, ou seja, o momento em que algo efetivo vai começar a ser implementado.

Os custos proibitivos das alternativas para a substituição tecnológica fazem com que esse caminho ainda não seja uma opção viável, ainda assim iniciativas pontuais têm sido realizadas no Brasil. Até que o ponto de escala seja alcançado, embarcadores e operadores de transporte têm a oportunidade (e a responsabilidade) de criar os fundamentos para esse processo, especialmente no que diz respeito a gestão organizada e integrada de informações que evidenciem objetivamente as ações implementadas e os resultados alcançados. 

Toda iniciativa de combate às mudanças climáticas implementada por operadores de transporte precisa ter seus resultados identificados, registrados e aferidos. Por outro lado, embarcadores precisam ter evidências objetivas de que tais resultados são reais sob o risco de cometerem green washing. Essa é a fundação de um ambiente reputacional sólido, uma das bases necessárias para a descarbonização do segmento de transporte de carga.

Green washing é um termo utilizado para descrever práticas de marketing ou publicidade em que uma empresa ou organização exagera ou faz alegações enganosas sobre suas práticas ambientais ou compromissos com a sustentabilidade ambiental.

A construção de um ambiente organizado, padronizado e eficiente conectando embarcadores e operadores de transporte com foco na identificação, registro, aferição e evidenciação de resultados de iniciativas de descarbonização é imperativo para a eficiência do processo. Mais que isso, esse ambiente proporciona uma aproximação das partes, por meio de troca de informação e aprendizado, que por sua vez promove um ciclo virtuoso iterativo pautado em ações, ajustes e melhorias constantes. Ao final, o principal resultado a ser alcançado é a credibilidade das empresas e dos processos.

Credibilidade é a pedra fundamental para a prosperidade empresarial. A evidenciação das iniciativas e resultados relacionados à atuação das empresas sobre o problema ambiental cumpre um papel fundamental em tempos em que o tema ganha relevância, de maneira acelerada, nas agendas estratégico-institucionais. Isso implica em mudanças importantes na estrutura e na operação das empresas, desde a dimensão de riscos regulatórios até o financiamento de projetos com taxas de juros mais atraentes para empresas que tenham conexão clara e efetiva com o tema da sustentabilidade ambiental.

Do ponto de vista do operador de transporte, adiciona-se a esse cenário a dimensão comercial. Embarcadores estão elevando o peso dos critérios de sustentabilidade ambiental nas suas avaliações de fornecedores, tanto em processos de contratação quanto de renovação de contratos existentes. Assim como aconteceu, por exemplo, com a adoção da norma ISO 14000, o quesito “sustentabilidade ambiental” vai se tornar, em algum momento, um atributo corriqueiro de todos os operadores de transporte. Até que isso aconteça, o diferencial competitivo de empresas que tenham uma postura ambiental genuína e relevante é indiscutível. Trata-se de uma janela de oportunidade promovida por, virtualmente, todos os embarcadores do mercado.

Toda crise gera oportunidades, mas isso não faz com que a crise desapareça. A descarbonização do segmento de transporte de carga é um tema crítico que vai trazer complexidades e desafios para todos os embarcadores e operadores de transporte, especialmente econômicos. O momento atual ainda permite que alguns passem por esse processo de uma forma mais próspera e menos dolorida. Para isso basta, de fato, começar. Todo “o mundo” vai agradecer.

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