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Há tempos a informação deixou de ser apenas um diferencial na logística para se tornar componente indispensável para o bom andamento de toda a cadeia e para a garantia do melhor nível de serviço possível, do rastreamento das cargas à aplicação de ferramentas de análise e tomada de decisões. E operações cada vez mais digitalizadas exigem, consequentemente, níveis de segurança de dados cada vez maiores também. Para auxiliar nessa tarefa, o setor observa de perto o blockchain e busca entender melhor como essa tecnologia pode auxiliar o supply chain como um todo
Por Redação em 24 de julho de 2018 às 14h25 (atualizado às 14h32)
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Em 2017, a ascensão do Bitcoin, a mais conhecida das moedas digitais – ou criptomoedas –, que iniciou o ano valendo aproximadamente mil dólares e chegou a ser avaliado, em dezembro, em mais de US$ 17.500, trouxe à tona e tornou conhecido do grande público o termo blockchain. Isso não aconteceu à toa, claro, tendo em vista que toda a tecnologia e regulamentação voltadas para o mercado de criptomoedas apresentam uma enorme complexidade, para garantir que não haja duplicidade ou alterações indevidas de dados, por exemplo, e o blockchain, protocolo utilizado para prover a segurança do dinheiro virtual, funcionando como uma espécie de livro-razão de registros contábeis, consegue dar conta desse recado.

O blockchain surgiu em 2008 justamente para permitir que o Bitcoin fosse criado. Trata-se da tecnologia que está por trás da criptomoeda, validando as transações que são efetuadas entre compradores e vendedores. Todas essas transações são reunidas em blocos, que por sua vez são ligados ao bloco anterior, formando o tal blockchain (ou corrente de blocos, na tradução literal).

Sendo assim, ainda que na prática o blockchain seja bastante intrincado e talvez incompreensível para os mais leigos em tecnologia, seu conceito básico não é difícil de ser explicado. Trata-se realmente, como na comparação com um livro-razão, do registro das transações de envio e recebimento, uma espécie de planilha que abriga conjuntos de transações dentro de cada um de seus blocos. Eles são adicionados em ordem cronológica, os novos blocos acoplados aos anteriores já validados, construindo assim um banco de dados extremamente confiável.

O que torna a tecnologia altamente segura, no entanto, é o fato de esses registros estarem espalhados pela internet, em vários computadores, de forma descentralizada, mas totalmente sincronizada, como um verdadeiro “acordo coletivo” de informações, apoiado por algoritmos complexos que autenticam todas as transações e validam os dados. Enquanto nos modelos financeiros tradicionais uma entidade central, como um banco, é responsável por esse processo de validação, em uma rede blockchain são diversos computadores que desempenham esse papel, em consenso e utilizando forte criptografia.

Norberto Tomasini Jr., diretor de Negócios Digitais da Tivit, empresa brasileira que atua na prestação de serviços de information technology management (ITM) e business process management (BPM), explica que isso torna as fraudes inviáveis. “Num modelo centralizado, basta que o fraudador consiga alterar a base de dados da entidade centralizadora. No caso de um sistema baseado em blockchain, cada computador armazena cópias sincronizadas de todas as transações que a rede já validou”. Sendo assim, todos esses registros estão disponíveis para que qualquer pessoa tenha acesso e possa realizar a “conferência” das informações ali contidas. “Existem também blockchains privados, onde apenas parceiros de negócios de uma determinada rede podem participar após serem autorizados”, completa o executivo.

Na logística

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Tomasini, da Tivit

Todo o interesse gerado sobre o tema faz surgir também a necessidade de se explicar que o blockchain, apesar de ter sido criado e popularizado pelo mercado de criptomoedas, não está limitado a elas. A verdade é que essa tecnologia tem sido considerada uma revolução para diversos segmentos e atividades, justamente por consistir em um ecossistema de dados muito seguro. “O Bitcoin foi o primeiro blockchain criado, mas já temos até o momento catalogados mais de 1.500”, diz Tomasini.

Ele indica que as vantagens proporcionadas pela aplicação do blockchain realmente não são exclusividade do setor de operações financeiras. “É preciso ressaltar que estamos falando de uma tecnologia relativamente nova, pois apesar de ter surgido em 2008, passou a ser considerada para outros fins há pouco menos de três anos. Pelo fato de ela permitir o registro de qualquer tipo de transação, vemos um imenso potencial disruptivo no uso do blockchain”. Fundamentalmente, por se tratar de uma tecnologia para o registro e a validação de processos, podemos considerar sua aplicação nos mais diversos segmentos, e não seria diferente no mercado da logística. “Pode-se – e isso já está acontecendo – manter o registro de todos os eventos que acontecem no ciclo de vida de um produto, desde a sua produção até a chegada ao ponto de venda, aquisição pelos consumidores e até mesmo o descarte final.”

Para o executivo, a transparência que o blockchain proporciona é sua grande contribuição, independente do setor em que ele é aplicado. “De forma resumida, num processo logístico temos como principais benefícios a certificação da origem dos insumos, a redução de fraudes e falsificações, a diminuição de intermediários, o rastreamento de todo o ciclo de vida de um produto e a garantia de autenticidade para o consumidor.”

Essencialmente, o blockchain atuaria como uma tecnologia garantidora da segurança de todas as informações a respeito de uma respectiva carga. “O uso do blockchain na logística é interessante como um complemento para os padrões de registro de dados da cadeia”, analisa Roberto Matsubayashi, diretor de Tecnologia da Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil), entidade sem fins lucrativos que tem como propósito implementar e disseminar padrões de identificação de produtos. “Quando se captura aquelas informações essenciais a respeito de um objeto e das operações realizadas, como ‘o que é, quando ocorreu, onde e por que’, cria-se um registro exato sobre sua vida, e o blockchain entra na proteção desses dados, criando novas oportunidades de se contar com um supply chain muito mais seguro.”

Matsubayashi também destaca que isso já está sendo colocado em prática, porém de forma um pouco tímida. “Eu diria que o blockchain na logística está em uma fase que já vai além da teoria, mas ainda muito ligada à prova do conceito. Existem empresas realizando projetos-piloto para verificar quais são os reais impactos e benefícios disso, para então definir de que forma o blockchain pode ser de fato aplicado em uma escala maior. No fim, a grande questão é garantir a segurança das informações, mas é claro que isso tem um custo. Nada disso acontece ou é feito de graça”.

Obviamente, a aplicação de qualquer tecnologia custa dinheiro, e o blockchain, como um conceito que surgiu ligado ao mercado financeiro, apresenta uma particularidade bastante interessante. No caso das criptomoedas, a verificação e a validação das transações, que, trocando em miúdos, fecham um bloco da corrente e criam o elo com o próximo, são realizadas por usuários da rede, em um processo que recebe o nome de mineração. Para garantir a segurança da operação, os cálculos criptográficos envolvidos são bastante complexos e exigem desses mineradores grande poder computacional. Assim, para realizar essa tarefa e manter a corrente de blocos em funcionamento, os mineradores são recompensados. No caso dos Bitcoins, a recompensa é feita com certas quantias da própria criptomoeda.

O custo da tecnologia

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Matsubayashi, da GS1

A utilização de máquinas superpotentes para a resolução dos complexos cálculos criptográficos necessários para a manutenção de uma rede blockchain que não gera, necessariamente, um valor financeiro, deixaria de ser uma espécie de mineração. Dessa maneira, é preciso entender novas maneiras de garantir que esse investimento faça sentido. Ainda que atualmente seja difícil compreender isso plenamente, a verdade é que o blockchain não é totalmente dependente do processo de mineração. Uma vez que o objetivo de uma rede não seja a proteção de valores financeiros, como é o caso do Bitcoin, cada membro que faz parte dela deve estar comprometido com a validação das informações que formam a corrente, e os cálculos criptográficos tornam-se apenas um mecanismo de segurança para a irreversibilidade das transações, e não para a mineração de valores. Existem projetos de redes de blockchain abertas, que funcionam sem mineração, e colaborativas, como é o caso do Hyperledger, criado pela Linux Fundation, com foco no desenvolvimento de protocolos e padrões abertos para transações de empresas dos setores de tecnologia, finanças e logística, tanto em relações B2B quanto B2C.

Fato é que os ganhos, no caso da aplicação do blockchain na logística, não estão na mineração de valores monetários, mas intimamente ligados justamente à sua finalidade: a proteção gerada para toda a cadeia. “Assim como há o custo, existe também o valor que essa segurança maior, que essa confiabilidade agrega ao supply chain. E é por isso que o blockchain faz muito mais sentido quando falamos de produtos em que a questão da segurança é mais crítica”, ressalta Matsubayashi.

O executivo cita como exemplo o setor de medicamentos, devido aos índices de falsificações e de roubos. “Nós estamos trabalhando, na GS1, com a rastreabilidade na cadeia de medicamentos, e uma das grandes questões levantadas nesse meio é o fato de algumas empresas não quererem que outras, sejam concorrentes ou mesmo os envolvidos na relação entre o fabricante e o comerciante, tenham acesso completo a todas as informações. Uma forma de proteger esses dados é justamente utilizando o blockchain. Nesse caso, seria possível autenticar a procedência do produto que você tem em mãos com todo o histórico de dados, mas sem revelar quem são os atores envolvidos nas transações anteriores, de maneira efetivamente segura e confiável. E existe também a questão de como transferir essas informações para uma base de dados centralizada para que haja a gestão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso com certeza vai demandar segurança para proteger os dados, e uma das alternativas seria utilizar o blockchain”, diz Matsubayashi.

Ele lembra que o setor de alimentos também apresenta muito potencial para a utilização da tecnologia. “Ela garantiria a segurança do consumidor, assegurando a procedência e a qualidade, como deve acontecer com os medicamentos também”. Pensando dessa maneira, portanto, alguns segmentos poderiam atuar como propulsores da adoção do blockchain na logística. “Outro setor que tem demonstrado interesse é o de defensivos agrícolas, pois existe uma grande preocupação com a garantia da origem do produto, especialmente por parte dos fabricantes. Pode ser interessante para itens de alto valor agregado também, como joias, por exemplo”. E o diretor explica que é mandatório que toda a cadeia envolvendo os produtos esteja envolvida na discussão. “É uma questão que precisa abranger sempre o originador do produto, passa pelo transporte e pela armazenagem e vai até o final da vida dele, chegando ao descarte e à destinação apropriada de resíduos”, completa.

Ambiente conectado

“Não estamos falando apenas de redução de risco de fraudes ou roubos, mas de uma forma nova de trazer transparência para todos os envolvidos na cadeia logística, que certamente causará maior eficiência operacional”, analisa Tomasini. Parece que quando o assunto é blockchain, o mercado está em consonância sobre o fato de que, pela confiabilidade de informações gerada, a tecnologia deve funcionar como grande aliada em um sonhado ambiente altamente conectado, envolvendo máquinas inteligentes e autônomas, internet das coisas (IoT, na sigla em inglês para internet of things), elevada utilização de business intelligence (BI), entre ouros fatores que promovem a logística como conhecemos hoje a uma logística 4.0. “Imaginar um processo totalmente digital, sem a intervenção humana, envolvendo o blockchain, é bastante fácil”, indica Tomasini. “Um sensor que monitora os níveis de um item, por exemplo, pode, depois de se autenticar numa rede lockchain, disparar um processo de reposição baseado em regras previamente estabelecidas. Adicionalmente, a formalização dessas transações em uma rede totalmente segura, organizada e compartilhada serve como uma fonte extremamente relevante para processos de analytics e big data.”

Precisamos levar em conta, todavia, que até mesmo a rastreabilidade de cargas ainda é um conceito que não está totalmente difundido e aplicado à cadeia logística brasileira por completo. Claro que os grandes players do setor trabalham com tecnologias de ponta para garantir que esse fator resulte na redução de perdas, desvios, roubos e falsificações e até mesmo para prover o maior número possível de informações sobre as cargas, mas infelizmente essa não é uma realidade que abrange todo o supply chain nacional, fazendo com que a aplicação do blockchain possa parecer algo ainda distante. Matsubayashi destaca, assim, que se trata de uma tecnologia no estágio de descobertas, de exploração. “O uso do blockchain envolve uma logística totalmente conectada, e a própria infraestrutura brasileira dificulta essa questão, com problemas de cobertura para a transmissão de dados durante todo a atividade de transporte de uma mercadoria, por exemplo. Tudo o que acontece com a carga precisa ser transmitido on-line, e esse tráfego de informações deve acontecer em tempo real, senão a rastreabilidade perde totalmente o sentido”, observa.

Tomasini concorda e acrescenta que, neste momento, é necessário quebrar a barreira da aparente complexidade tecnológica. “É fundamental começar o quanto antes. Errar cedo e corrigir os rumos. Isso certamente trará vantagens competitivas para as empresas de logística”. Segundo ele, a melhor abordagem é começar com uma parte do processo logístico que seja simples, mas que já traga algum ganho. “As principais empresas do setor, já com algum grau de digitalização, poderiam disponibilizar acesso a um blockchain privado para seus parceiros de negócio por meio de um portal web. Até mesmo aqueles com baixo grau de digitalização poderiam registrar e consultar transações nesse blockchain. Um parceiro tecnológico poderia ser o responsável por instalar, configurar e manter a rede, garantindo o equilíbrio de forças no setor. Todos os envolvidos vão aprendendo ao longo da implementação do projeto e, depois de comprovados os primeiros ganhos, pode-se partir para processos mais complexos”, argumenta o executivo.

Fernando Fischer

 

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