O Ártico vem ganhando destaque na geopolítica e no comércio global, e a Groenlândia, a maior ilha do mundo, está emergindo como um jogador-chave neste novo tabuleiro de xadrez estratégico. Sua localização entre a América do Norte, Europa e Ásia o posiciona como um eixo potencial para o que poderia ser considerado uma extensão da Nova Rota da Seda, o ambicioso projeto de conectividade global da China.
Groenlândia e o Ártico derretem
A mudança climática acelerou o derretimento do Ártico, abrindo novas rotas marítimas, como a Passagem do Noroeste e a Passagem do Nordeste. Essas rotas poderiam reduzir significativamente as distâncias entre a Ásia e a Europa, em comparação com os tradicionais canais de Suez ou Panamá. A Groenlândia, estrategicamente localizada entre essas novas rotas, tem potencial para se tornar um centro logístico e comercial de grande importância.
Além disso, o derretimento do gelo está expondo vastos recursos minerais, incluindo terras raras, cruciais para tecnologia de ponta, energia renovável e defesa. Isso chamou a atenção de atores globais como China, Estados Unidos e União Europeia, que buscam garantir o acesso a esses recursos estratégicos.
O interesse global na Groenlândia
A localização estratégica da Groenlândia e a crescente importância geoeconômica chamaram a atenção das principais potências mundiais. À medida que o gelo do Ártico recua, o interesse em suas rotas, minerais e posicionamento logístico se intensificou, gerando uma competição silenciosa, mas ativa para ganhar influência na ilha.
China: projeção Ártica chave em Logística e Mineração
A China incorporou o Ártico em sua estratégia de conectividade global, qualificando-se como "Estado próximo ao Ártico" e sinalizando seu interesse em construir uma "Rota Polar da Seda". A Groenlândia ocupa um lugar especial nessa visão. Desde a última década, as empresas chinesas tentaram participar de licitações para desenvolver aeroportos, infraestrutura portuária e projetos de mineração de terras raras na Groenlândia.
Um dos casos mais emblemáticos foi o interesse da China em financiar e construir aeroportos importantes em Nuuk e no sul da ilha. Embora o governo dinamarquês tenha bloqueado a operação por razões de segurança, ficou claro que Pequim vê a Groenlândia como uma plataforma para expandir sua presença no Ártico. Paralelamente, as empresas chinesas avaliaram a participação em minas de urânio e terras raras, essenciais para suas cadeias de valor tecnológico.
Estados Unidos: defesa estratégica e contrapeso geopolítico
Cientes do potencial estratégico da Groenlândia, os Estados Unidos intensificaram sua presença e relações com o governo local da Groenlândia nos últimos anos. Desde a Guerra Fria, mantém a base aérea de Thule, localizada no norte da ilha, fundamental para seu sistema de defesa e vigilância antimísseis no hemisfério norte.
Em 2019 durante o seu primeiro mandato como presidente dos EUA, Donald Trump surpreendeu o mundo ao expressar abertamente interesse em "comprar" a Groenlândia, o que foi rejeitado pela Dinamarca, mas deixou claro o valor que Washington atribui à ilha. Além do simbólico, os Estados Unidos abriram um consulado em Nuuk e aumentou sua assistência financeira, demonstrando interesse em apoiar projetos de infraestrutura para impedir a entrada de capital estratégico chinês ou russo.
A Groenlândia é para os EUA uma posição de defesa avançada e um cão de guarda sobre as rotas marítimas emergentes e as ambições de seus concorrentes. Neste início de segundo mandato, o presidente Trump tem ameaçado controlar a ilha.
Rússia: proximidade territorial e ambições no Ártico
A Rússia, cuja costa norte faz fronteira com o Ártico, vê a região como vital para sua segurança e desenvolvimento econômico. Embora seu interesse na Groenlândia seja menos explícito do que a China ou os EUA, Moscou está observando de perto qualquer movimento que perturbe o equilíbrio nesta parte do mundo.
O país desenvolveu uma poderosa frota do Ártico, incluindo quebra-gelos nucleares, e investiu maciçamente em infraestrutura em sua costa norte, buscando transformar a Rota do Mar do Norte em uma alternativa comercial viável. Qualquer nó logístico intermediário – como a Groenlândia – pode influenciar os fluxos comerciais do Ártico e, portanto, seus interesses estratégicos.
Além disso, a Rússia poderia ver a Groenlândia como uma peça na disputa mais ampla sobre a governança do Ártico, um espaço onde já aumentou sua presença militar e onde busca influenciar as decisões do Conselho do Ártico, do qual a Groenlândia faz parte como um território autônomo da Dinamarca.
Desafios e oportunidades
A perspectiva de que a Groenlândia se torne um nó logístico no Ártico traz consigo desafios significativos:
No entanto, também oferece oportunidades:
A rota ártica como a Nova Rota da Seda
Se a Groenlândia conseguir superar estes desafios, poderá se consolidar como um centro importante na Rota do Ártico, uma extensão do projeto chinês que pode revolucionar o comércio internacional. Com tempos de trânsito mais curtos e acesso a novos mercados, esta rota redefiniria o cenário logístico global.
A médio prazo, as decisões políticas, económicas e ambientais tomadas em torno da Groenlândia serão cruciais. O mundo está observando como essa região gelada pode se tornar um farol de conectividade global no século 21.
A Groenlândia não é apenas um ponto no mapa: é a próxima fronteira na redefinição do comércio e da logística internacional.