Ibovespa
157.162,44 pts
(-0,30%)
Dólar comercial
R$ 5,30
(0,10%)
Dólar turismo
R$ 5,49
(-0,03%)
Euro
R$ 6,16
(0,54%)

Brasil volta atrás em acordo de descarbonização de caminhões que exclui biocombustíveis; entenda o porquê

Memorando de entendimento entre 42 países propunha descarbonizar todos os veículos médios e pesados até 2040 com modelos elétricos e a hidrogênio
Por Gabriela Medrado em 13 de novembro de 2025 às 15h11
Brasil volta atrás em acordo de descarbonização de caminhões que exclui biocombustíveis; entenda o porquê
Foto: Divulgação / Be8
Foto: Divulgação / Be8

O Brasil surpreendeu entidades do setor de transporte rodoviário e do agronegócio na última terça-feira  (11/11) ao aderir, por meio do Ministério dos Transportes, ao acordo Drive to Zero, um compromisso entre 42 países para o fim da comercialização de caminhões e ônibus movidos a combustíveis fósseis até 2040. O anúncio foi feito durante a COP30, em Belém, porém, menos de 24 horas depois de aderir ao compromisso, o governo federal voltou atrás e declarou ter cancelado sua participação na iniciativa.

Em nota enviada à imprensa nesta quarta-feira (12/11), o Ministério dos Transportes informa que "diante de interpretações divergentes quanto ao objetivo originalmente pretendido, determinou o cancelamento imediato da participação da pasta no memorando de entendimento que tratava da meta de emissão zero para veículos pesados e médios".

 

Por que a adesão do Brasil foi polêmica

A iniciativa Drive to Zero, liderada pelo governo da Colômbia, previa que até 2030, 30% dos caminhões e ônibus vendidos no país deveriam ser livre de emissões de gases de efeito estufa, chegando a 100% até 2040. No entanto, a proposta considera no cálculo da pegada de carbono apenas os gases emitidos durante o uso dos veículos, o que favorece apenas a eletrificação e o hidrogênio verde. 

Apesar de o documento não citar biocombustíveis diretamente, a diretora global da Drive to Zero, Stephanie Kodish, afirmou para a Folha de S. Paulo que "Emissões zero significa zero emissões do escapamento. Portanto, não inclui basicamente nada, exceto baterias elétricas e hidrogênio", durante cerimônia de adesão do Brasil na COP30.

A anúncio da assinatura do Brasil ao pacto causou confusão entre os setores brasileiros ligados ao transporte e ao agronegócio porque vai na direção contrária à defesa do próprio governo brasileiro ao uso de biocombustíveis

O governo brasileiro vem defendendo iniciativas de fomento ao uso de biodiesel e biometano nos meses que antecederam a COP30. Durante a Cúpula do Clima, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu a adesão de países a um compromisso lançado pelo Brasil para quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis até 2035 a nível global, incluindo os biocombustíveis.

O governante e o vice-presidente Geraldo Alckmin também ocuparam sua agenda pré-COP com o apoio a iniciativas diversas envolvendo combustíveis alternativos, como a iniciativa da Mercedes-Benz em parceria com a Be8 para testar caminhões e ônibus movidos a biodiesel 100% e o lançamento do Bevan, um combustível feito com gordura animal e óleo de soja que pode substituir o diesel.

Questionado pela Folha no local sobre a contradição entre a adesão do Brasil à iniciativa e as políticas gerais do governo, o secretário de Sustentabilidade do Ministério dos Transportes, que participou da cerimônia, disse que a entrada do país é para promover o diálogo dentro da Drive to Zero. "O que o Ministério dos Transportes tem feito é dialogar com todos os segmentos, aderir a todas as estratégias e conciliar essas estratégias com a estratégia de transição energética brasileira", afirmou. 

 

O mercado de biocombustíveis

O uso de biocombustíveis como etanol, biodiesel e biometano tem sido considerado estratégico para o Brasil por conta da força da agricultura na economia do país. O país é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás apenas dos EUA, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

De acordo com os dados da ANP, o Brasil fabricou um total de 9,07 milhões de metros cúbicos (m³) de biodiesel ao longo de 2024, e há dois anos consecutivos apresenta mais de 20% de crescimento na produção.

O Brasil é pioneiro global na produção e implantação de biocombustíveis à base de biomassa de milho, soja e cana-de-açúcar, e implementa mandatos de mistura de etanol à gasolina desde 1975 e de biodiesel ao diesel desde 2008. O fomento ao uso de biocombustíveis e à sua exportação é uma pauta fortemente impulsionada pelo agronegócio, que apoia o aumento da mistura de biodiesel ao diesel. 

Também há um interesse crescente da indústria brasileira pelo biometano como um substituto do diesel e do gás natural nas frotas de caminhão do país. O combustível pode ser feito tanto por meio de resíduos orgânicos da agricultura quanto de aterros sanitários, o que aumenta seu potencial no Brasil. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é um dos maiores financiadores da indústria no país, e empresas privadas como PepsiCo, Natura, Bravo e LÓreal já implantam postos próprios de abastecimento de biometano em suas operações no país.
 

Biocombustíveis x veículos elétricos

Estudos mais recentes têm apurado que, considerando as emissões de gases de efeito estufa em todo o ciclo de vida do combustível, ao invés de apenas as emissões diretas, os biocombustíveis podem levar a vantagem em relação aos modelos elétricos e a hidrogênio. Uma pesquisa da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores Anfavea com a BCG publicada pela Tecnologística afirma que, para a realidade brasileira, os veículos movidos a biocombustíveis podem ser mais sustentáveis que os veículos elétricos num primeiro momento.

O estudo foi o primeiro no país a calcular as emissões de CO₂ em toda a cadeia de produção, da extração de matérias-primas até o descarte do veículo, comparando veículos fabricados no Brasil com os veículos equivalentes produzidos na Europa, Estados Unidos e China. O levantamento concluiu que caminhões urbanos movidos a diesel com 15% de biodiesel (B15) no Brasil emitem menos CO2 do que caminhões 100% elétricos rodando na China, considerando toda a cadeia.

Isso acontece porque a matriz energética do Brasil já tem uma participação de 90% de fontes renováveis, enquanto a China e outros países ainda usam carvão ou gás natural em maior quantidade. Isso faz com que as emissões de carbono brasileiras ao longo de toda a cadeia já sejam inferiores, mesmo sem a eletrificação da frota em larga escala. A absorção de carbono pelas plantações das matérias-primas utilizadas na biomassa dos biocombustíveis também contribui para uma pegada de carbono menor em toda a cadeia de valor.

 

Substituição da frota

As iniciativas de eletrificação da frota também encontram encontram impasses no cenário brasileiro, onde a taxa de renovação da frota é baixa. Dados do Anuário FENABRAVE interpretados pela Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga (ANUT) mostram que a idade média da frota de caminhões no Brasil é de 21 anos. Entre caminhoneiros autônomos, TAC e transportadoras de pequeno porte, há uma forte tendência de substituição de modelos antigos por modelos ligeiramente menos antigos: mais de 80,3% dos veículos usados negociados em 2024 tinha mais de 10 anos de idade. Em 2018, esses veículos representavam 66,2% do volume total negociado.

Com a renovação de frota em declínio nas pequenas e médias empresas, a substituição por modelos elétricos em larga escala pode ser uma realidade ainda distante. Enquanto isso, iniciativas como a mistura de biodiesel não requerem substituição da frota imediata, oferecendo resultados de maior impacto a curto e médio prazo, como corroborado pela pesquisa da Anfavea.

Usamos cookies e tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência, analisar estatísticas e personalizar a publicidade. Ao prosseguir no site, você concorda com esse uso, em conformidade com a Política de Privacidade.
Aceitar
Gerenciar