
O governo federal programou para setembro o leilão da Ferrogrão, ferrovia de 933 quilômetros que ligará Sinop, no norte do Mato Grosso, aos portos fluviais do rio Tapajós, no distrito de Miritituba, em Itaituba, no Pará. O edital de concessão está previsto para junho, segundo o cronograma divulgado pelo Ministério dos Transportes, e o projeto deve ter desfecho em 2026, após mais de uma década de debates.
A estruturação técnica do empreendimento está em fase final na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que pretende encaminhar o projeto ainda em dezembro para análise do Tribunal de Contas da União (TCU). A ferrovia é classificada como greenfield, com implantação integral de nova infraestrutura ferroviária.
O investimento estimado para a construção da Ferrogrão é de R$ 33,3 bilhões em capex. As despesas operacionais ao longo do contrato estão projetadas em R$ 103,8 bilhões. A concessão terá prazo de 69 anos. A ferrovia será implantada em bitola larga, de 1,60 metro, e o sistema operacional inicial prevê três locomotivas e 170 vagões. Em plena operação, a expectativa é de movimentação anual de aproximadamente 66 milhões de toneladas de cargas.
O projeto é direcionado principalmente ao transporte de grãos produzidos no Centro-Oeste, em especial no Mato Grosso, estado que lidera a produção nacional de soja e milho. Na safra 2023/24, a produção estadual dessas culturas somou 88 milhões de toneladas. As projeções oficiais indicam crescimento significativo ao longo da próxima década, o que amplia a pressão sobre a infraestrutura logística existente.
Atualmente, grande parte da produção das regiões central e norte do Mato Grosso é transportada pela rodovia BR-163 até os terminais fluviais de Miritituba, de onde segue por hidrovias até os portos do Arco Norte. O custo do transporte rodoviário nesse corredor é um dos fatores considerados na avaliação de alternativas logísticas de maior capacidade, como a ferrovia.
A Ferrogrão é apresentada como um eixo complementar ao sistema rodoviário, com potencial para reduzir o volume de cargas transportadas por caminhões em longas distâncias. A substituição parcial do modal rodoviário pelo ferroviário também é associada à redução de emissões por tonelada transportada, em comparação ao transporte exclusivamente por estrada.
Desde que foi apresentada, em 2012, a ferrovia enfrenta questionamentos relacionados à viabilidade econômica e aos impactos socioambientais. Estudos e manifestações apontam riscos de indução ao desmatamento e à especulação fundiária ao longo do traçado, além de efeitos sobre comunidades tradicionais e áreas protegidas.
O traçado original da Ferrogrão atravessa um trecho de aproximadamente 49 quilômetros do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. Em 2016, uma alteração legislativa reduziu os limites da unidade de conservação para viabilizar a obra. Em 2021, essa mudança passou a ser questionada judicialmente no Supremo Tribunal Federal por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O julgamento permanece pendente.

Diante do impasse jurídico, o governo reformulou o projeto para eliminar a supressão de áreas do parque, mantendo o traçado sobre a faixa de domínio da BR-163, que já cruza a unidade de conservação e pertence à União. A estratégia busca reduzir riscos legais e aumentar a previsibilidade do processo de concessão.
Paralelamente à tramitação no TCU e ao julgamento no STF, o Ministério dos Transportes planeja realizar, no início de 2026, uma rodada de apresentações do projeto a investidores nacionais e internacionais, com o objetivo de ampliar o interesse pelo leilão.
Especialistas do setor, no entanto, avaliam que a Ferrogrão enfrenta desafios relevantes de financiamento e atratividade econômica. Há análises que indicam a necessidade de subsídios públicos para viabilizar o projeto, em um contexto de restrição fiscal. Também são apontadas alternativas logísticas baseadas na ampliação de corredores ferroviários já existentes, como a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) e a extensão da Ferrovia Norte-Sul em direção aos portos do Pará, utilizando áreas já ocupadas por infraestrutura.