A emergência climática exige que todos os setores da economia promovam a descarbonização das suas atividades e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. No caso das atividades portuárias e de transporte marítimo, responsáveis por 3% do total das emissões de gases de efeito estufa, esse imperativo é ainda maior. Os portos são estratégicos no comércio global e na logística multimodal: desempenham um papel central nessa transição, por serem, simultaneamente, grandes emissores e o hub geográfico e operacional para soluções sustentáveis.
O setor tem se movimentado para colocar em prática algumas estratégias para a descarbonização e transição energética, como no caso do estudo sobre descarbonização nos portos, feito em parceria com MPor e GIZ e das iniciativas da ANTAQ relacionadas ao inventário de emissões de carbono.
Políticas públicas de descarbonização dos portos brasileiros e regulação pró-sustentabilidade serão essenciais para o sucesso da implantação de infraestruturas portuárias necessárias ao recebimento de embarcações com combustível verde, bem como para fins de produção de energia eólica, eletrificação de equipamentos portuários e implantação de sistemas Onshore Power Supply (OPS).
O que se vê, contudo, é que a concretização dessas medidas, bem como sua expansão para além dos projetos-piloto já implementados, ainda encontra desafios.
Como catalisador para esses movimentos, em abril, a Organização Marítima Internacional (“IMO”), durante a 83ª sessão do Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho (MEPC) trouxe um novo arranjo regulatório para acelerar a pauta da transição. O pacote “MO Net-zero Framework” revisa a estratégia de Gases de Efeito Estufa da IMO, estabelecendo como meta de emissões líquidas zero “por volta de 2050”, com metas intermediárias para 2030 e 2040.
Além disso, o pacote regulatório também prevê implementação de medidas obrigatórias de curto, médio e longo prazo, como padrões de intensidade de carbono para navios, taxas sobre emissões de carbono ou sistemas de comércio de emissões e incentivos para combustíveis alternativos e tecnologias limpas. O framework prevê a criação de medidas de médio prazo ainda em 2025, como a taxação global de carbono ou um fundo de carbono marítimo que, se adotado, poderá gerar custos, além do não pagamento ou descumprimento poderá levar à detenção de navios, revogação de certificados, ou impedimento de operação internacional.
O IMO Net-Zero Framework representa um passo significativo rumo a um setor marítimo mais sustentável. Porém, na prática, estabeleceu uma meta que impactará toda a cadeia portuária, exigindo ações efetivas para que os portos brasileiros estejam preparados para receber os navios de baixo carbono e não sofram as sanções internacionais previstas.
Não por acaso, o tema pautou discussões sob as mais variadas perspectivas no âmbito da Intermodal South America 2025, evento do setor logístico que ocorreu pouco após o anúncio das metas de descarbonização do IMO.
Para além dos debates conduzidos pela Aliança Brasileira para Descarbonização de Portos, iniciativa criada em 2024 para congregar medidas e estratégias setoriais, foi lançado
no evento o Plano de Descarbonização do Porto do Itaqui e o Inventário GEE da Portos do Paraná, por parte das autoridades públicas.
No âmbito privado, também foram realizadas rodas de conversas na Vports, Santos Brasil, além de Assinatura de Memorando de Entendimento (MOU) com a empresa RightShip, voltado às parcerias estratégicas para a sustentabilidade da navegação, dentre muitas outras medidas que deixaram evidente que os movimentos em torno da descarbonização são uma realidade já presente na logística nacional.
A Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados Associados e a Modal Consult/Modal ESG se uniram para organizar um café da manhã para discutir e propor medidas concretas para descarbonização das atividades portuárias, aproveitando a presença dos stakeholders dos setores logísticos na cidade de São Paulo.
O encontro observou que a agenda de descarbonização enfrenta entraves significativos, principalmente ligados à infraestrutura portuária e à ausência de incentivos governamentais eficazes. A adaptação dos portos brasileiros para receber embarcações de baixo carbono demanda investimentos elevados e uma articulação entre diversos atores, o que esbarra em incertezas quanto à demanda futura e à disponibilidade de energia elétrica.
A eletrificação da frota terrestre, especialmente de caminhões, também representa um desafio logístico, dado o alto custo de renovação da frota, a limitada infraestrutura de distribuição elétrica e a ausência de soluções adequadas para o descarte de baterias. Soma-se a isso a carência de infraestrutura nos terminais para fornecimento de energia a navios e contêineres, mesmo em regiões com alto potencial de geração renovável.
Fernando Fialho, Sergio Cutrim e Adriano Barbosa,executivos da Modal ESG, reforçaram a visão da consultoria no sentido de que a complexidade dos desafios de descarbonização no setor portuário brasileiro, embora significativa, representa uma janela de oportunidades estratégicas para todo o segmento.
Para a Modal ESG, a superação dos entraves de infraestrutura e a ausência de incentivos governamentais na robustez que tal temática exige, demandam uma atuação consultiva que integra expertise técnica e profunda compreensão das dinâmicas regulatórias e econômicas. Neste contexto a Modal ESG se posiciona como um catalisador, oferecendo soluções inovadoras que abrangem desde a modelagem de projetos de infraestrutura portuária sustentável até a identificação de mecanismos de financiamento e a articulação com diversos órgãos governamentais: “acreditamos que, através de uma abordagem consultiva integrada e proativa, é possível superar os desafios atuais em construir soluções eficientes e sustentáveis para o setor”.
O que se observa é que ainda há muito espaço para navegar em direção a infraestruturas e navios portuários mais sustentáveis e adaptados às necessidades internacionais. No âmbito dos contratos públicos, vislumbra-se um espaço para avanços na modelagem contratual junto à ANTAQ e ao Ministério de Portos, além de possibilidades de renegociação de contratos em vigor, com ajustes com a utilização de incentivos econômicos (como, por exemplo, por meio de descontos na outorga) e regulatórios (como os parâmetros de desempenho) alinhados aos objetivos de transição energética. Já nos contratos privados, ainda há a necessidade de se estabelecer incentivos que tornem a descarbonização economicamente viável, superando barreiras financeiras com o apoio de políticas públicas. Paralelamente, serão necessárias ações de concertação administrativa junto aos MME, Aneel e ANP, para viabilizar a necessária segurança jurídica para tais investimentos.
Espera-se que, com a demanda do pacote regulatório do IMO, além dos movimentos de política pública recentes, essas previsões sejam colocadas em prática, em direção a um transporte marítimo global que seja o precursor de medidas de carbonização. O desafio é grande, mas vale à pena: na corrida pela descarbonização, todos ganham.