O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está concluindo as negociações para o primeiro contrato de renovação de frota de caminhões com uso de recursos do Fundo Clima. O objetivo da iniciativa é financiar veículos movidos a biometano, com taxas de juros reduzidas, como parte da estratégia nacional de descarbonização no setor de transporte de cargas.
O conteúdo do contrato ainda não foi divulgado, mas o banco considera o avanço como um passo relevante na adoção de combustíveis menos emissores no modal rodoviário. A diretora de Infraestrutura e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa, afirma que o Brasil tem potencial para substituir 62% do consumo nacional de diesel com a produção de biometano, a partir de resíduos agroindustriais como vinhaça, dejetos suínos e bovinos.
A inclusão do biometano no Plano Anual de Aplicação de recursos do Fundo Clima foi formalizada nesta semana. O fundo dispõe de R$ 11,2 bilhões para empréstimos com juros de 6,5% ao ano, acrescidos de 1,3% de taxa administrativa do BNDES. A medida viabiliza o financiamento de frotas movidas a biocombustível.
A tecnologia de biometano ainda tem presença limitada no Brasil, sendo utilizada principalmente por produtores do próprio combustível ou por grandes empresas que buscam reduzir emissões em suas operações. A Natura, por exemplo, iniciou em 2024 o uso do combustível em 20 veículos e 50 carretas em São Paulo. A empresa aprovou a expansão para a unidade de Cajamar (SP), tanto no transporte quanto nos processos industriais, e firmou um novo contrato com a Ultragaz, com início previsto para agosto, para abastecer a rota até Uberlândia (MG).
Segundo a companhia, o uso do biometano permitiu a redução de 930 toneladas de dióxido de carbono nas operações. O diretor de Supply Chain, Eduardo Sá, afirma que o objetivo principal da iniciativa é a mitigação de emissões, e não a obtenção de retorno financeiro direto.
De acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), foram emplacados 356 caminhões a gás no primeiro semestre de 2025, superando o total registrado em todo o ano anterior. A fabricante Scania prevê a produção de 800 unidades em 2025, o equivalente ao volume produzido entre 2019 e 2022. O diretor de Vendas e Soluções da empresa, Alex Nucci, aponta o biometano como uma alternativa com alto potencial ao diesel.
A cadeia produtiva também registra impactos. A empresa MAT, fabricante de cilindros de gás natural em Jundiaí (SP), observou crescimento na demanda por cilindros para veículos pesados, que passaram de 2,5% para 12% da produção entre 2022 e o segundo trimestre de 2025. A expectativa da empresa é que, até 2026, esse segmento represente 50% da produção.
Segundo a empresa Gás Verde, responsável por abastecer com biometano o centro de distribuição da L’Oréal em Jarinu (SP), o modal rodoviário responde por 60% da carga transportada no Brasil e utiliza majoritariamente diesel, combustível responsável por aproximadamente 15% das emissões de gases de efeito estufa do país. Estima-se que o biometano emita até 90% menos CO₂ em comparação ao diesel.
Além dos ganhos ambientais, o biometano apresenta vantagens econômicas, como maior previsibilidade de preços. Os contratos são, em geral, corrigidos pelo IPCA e não seguem a cotação internacional do petróleo. Alessandro Gardemann, presidente da empresa Geo bio gas&carbon, destaca a possibilidade de produção descentralizada como diferencial logístico relevante, ao reduzir a dependência da rede de distribuição de gás natural.
Atualmente, há 12 produtores de biometano autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com outros 39 pedidos de autorização em análise. A produção média nacional está em 800 mil metros cúbicos por dia.
A presidente da Associação Brasileira do Biogás e Biometano (Abiogás), Renata Isfer, avalia que a Lei do Combustível do Futuro deve ampliar a oferta nos próximos anos, ao estabelecer contratos de longo prazo entre produtores e compradores. A lei cria cotas obrigatórias de aquisição de biometano por empresas produtoras de gás natural, em modelo semelhante ao que estruturou os mercados de etanol e biodiesel no Brasil. A Petrobras realizou, neste contexto, sua primeira chamada pública para aquisição da cota referente a 2026.
Apesar dos avanços, a infraestrutura de abastecimento ainda é considerada um entrave para a adoção do biometano em rotas de longa distância. A autonomia de caminhões a gás é limitada a cerca de 700 quilômetros, e há poucos postos preparados para esse tipo de abastecimento.
Para a diretora do BNDES, a expansão da tecnologia exige investimentos em três frentes: produção do combustível, infraestrutura de abastecimento e substituição da frota a diesel. Segundo ela, esse movimento já está em curso.