Empresas brasileiras que precisam compensar parte de suas emissões — ou que desenvolvem projetos capazes de gerar créditos — passam agora a contar com uma infraestrutura inédita: a RCGI-USP Carbon Registry.
A iniciativa, lançada pela Universidade de São Paulo por meio do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), é a primeira registradora nacional de créditos de carbono do Brasil.
Até hoje, companhias que desejassem atuar nesse mercado dependiam de registradoras internacionais, com custos em dólar e metodologias nem sempre adequadas à realidade nacional.
“Uma registradora de carbono se torna mais robusta quando combina dois elementos essenciais: ciência e interesse público — e é isso que a USP traz para o processo. A RCGI-USP Carbon Registry já nasce com metodologias próprias, continuamente auditadas, que devem fortalecer a integridade dos créditos brasileiros e alinhá-los às melhores práticas internacionais”, afirma Julio Meneghini, diretor científico do RCGI-USP.
Como funciona uma registradora
Na prática, uma registradora é responsável por validar, emitir e acompanhar cada crédito de carbono, garantindo que seja único, verificável e rastreável. Sem registro, o crédito não existe — nem para quem precisa cumprir metas de descarbonização, nem para quem deseja comercializar seus resultados ambientais.
O ciclo de geração e comercialização de créditos envolve cinco atores principais:
USP traz rigor científico e metodologias adaptadas ao Brasil
A RCGI-USP Carbon Registry é a primeira registradora brasileira vinculada a uma universidade pública, o que garante neutralidade acadêmica, estrutura independente e rigor científico.
Outro diferencial é o uso de metodologias desenhadas para a realidade nacional, que consideram as particularidades da indústria e dos biomas brasileiros — Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Mata Atlântica — sem abrir mão do alinhamento a padrões internacionais, como os da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).
Esse modelo deve contribuir para a valorização dos créditos de carbono gerados no país e para a credibilidade internacional do mercado brasileiro.
Custos em reais e prazos reduzidos: menos barreiras para as empresas
A nova registradora reduz barreiras ao cobrar em reais e praticar custos acessíveis, com prazos de análise de até 90 dias — bem abaixo dos até 12 meses observados em registradoras internacionais.
Além do registro de créditos, a plataforma oferece suporte às empresas na elaboração de inventários de emissões segundo o padrão internacional GHG Protocol.
Outro elemento central é o modelo CCB-SS (Clima, Comunidade, Biodiversidade, Ciência & Social), que torna obrigatória a destinação de parte dos créditos a um fundo exclusivo voltado ao financiamento de pesquisas científicas, projetos sociais e de preservação ambiental.
Segurança e confiança ao mercado
A operação da RCGI-USP Carbon Registry será conduzida por uma startup com DNA USP. À Universidade caberá o desenvolvimento das metodologias científicas próprias e a certificação da adequação de metodologias externas, com revisão e auditoria de um comitê técnico independente coordenado pelo RCGI-USP — assegurando que o rigor científico esteja presente em todas as etapas.
Esse rigor se apoia na sólida base construída pelo RCGI-USP, criado em 2015 e hoje reconhecido como um dos maiores centros de pesquisa em transição energética do país. Com cerca de 800 pesquisadores, o centro conduz dezenas de projetos em áreas como soluções baseadas na natureza, captura de carbono, inovação em energia e descarbonização — e já viabilizou iniciativas pioneiras, como a primeira planta piloto do mundo para produção de hidrogênio a partir de etanol e avanços em metanol verde obtido da captura de CO₂.
Mais valor e credibilidade para o mercado de carbono brasileiro
Hoje, o mercado de carbono no Brasil opera de forma voluntária, permitindo que empresas mantenham inventários e compensem emissões por iniciativa própria.
Um estudo do Banco Mundial (2023) apontou que o país respondeu por quase metade dos créditos emitidos na América Latina e Caribe entre 2005 e 2023 — cerca de 314 milhões de tCO₂e. Apesar do protagonismo, os preços médios seguem abaixo do ideal para fomentar novos projetos.
O relatório destaca fragilidades que afetam a valorização dos créditos na região, como críticas à integridade de projetos florestais e REDD+, riscos de leakage (deslocamento do desmatamento), não permanência e falhas nos sistemas de MRV — monitoramento, reporte e verificação.
É justamente nesse ponto que a RCGI-USP Carbon Registry se propõe a atuar: com metodologias próprias, continuamente auditadas e alinhadas aos padrões internacionais, o projeto busca elevar o padrão de integridade, fortalecer a confiança no mercado voluntário e preparar o Brasil para o futuro mercado regulado de carbono.
Pelo desenho do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), empresas que emitam acima de 10 mil tCO₂e/ano deverão monitorar e reportar suas emissões, e aquelas acima de 25 mil tCO₂e/ano terão de entregar cotas equivalentes às suas emissões — abrindo uma nova fronteira de oportunidades para a indústria e para o país.