Outubro de 2025 é marcado pela retomada da necessária modernização da regulação aplicável ao setor ferroviário, em especial pela realização da Reunião Participativa nº 10/2025, com objeto de debater a proposta de revisão de parte das Condições Gerais de Transporte Ferroviário.
Esse movimento é necessário não apenas para suprir lacunas normativas do Marco Legal das Ferrovias (Lei nº 14.273/2021) mas, também, para refletir as complexas interações entre agentes submetidos à regimes jurídicos diversos nesse setor.
A ANTT já anunciou que a minuta em discussão é apenas o início de um longo processo, fatiamento que nos lembra o anterior processo de reforma do marco regulatório das ferrovias. O esquema ilustrativo elaborado pela agência é um bom mapa para que possamos investigar o que esperar:
Nesse primeiro momento, será discutida a Regulamento de Serviços e Segurança Ferroviária (RSF1), que possui a seguinte estrutura:
Quando analisamos a proposta, a tensão dos posicionamentos das diferentes partes interessadas fica evidente em três eixos, quais sejam: (i) a legitimidade de restrições à flexibilidade operacional no transporte ferroviário de cargas, (ii) efeitos da padronização de indicadores de qualidade de serviço e da classificação dos agentes e (iii) ponderação entre os interesses dos usuários e a própria viabilidade das concessões.
Vivenciamos um momento de grande complexidade, não apenas por coexistirem regimes jurídicos distintos aplicáveis às concessionárias e às autorizatárias, mas também porque no primeiro grupo existem operadoras com contratos renovados antecipadamente, novas concessões e concessões perto de seu vencimento, com perfis de operação distintos.
Outro ponto peculiar – e que diferencia as ferrovias de outros modais de transporte – diz respeito ao perfil B2B da maior parte de suas relações. Os usuários, em regra, possuem grande capacidade de barganha e negociação, considerando sua própria posição na cadeia de valor logística nacional. Essa peculiaridade desse se refletir no tipo de tutela a ser concedida, e na maior margem de autonomia negocial das partes.
Essas dificuldades provavelmente redundarão na exclusão do escopo dessa norma de pontos sensíveis referentes à criação de novos indicadores de desempenho, questões que deverão ser incluídas em normas posteriores.
Um ponto especialmente crítico é observado na proposta de regulação das operações acessórias. O artigo 82 da minuta de norma proposta estabelece um rol taxativo de 19 operações acessórias, incluindo abastecimento, armazenagem, carregamento/descarregamento, pesagem, manobra e manutenção.
A norma dispõe ainda que não serão consideradas operações acessórias: condução do trem; limpeza e manutenção de material rodante do próprio prestador; inspeção de segurança; baldeações ou transbordos necessários por falha do prestador e atividades de movimentação de vagões em pontos intermediários.
Há ainda previsão de que o operador ou a concessionária poderão solicitar anualmente a ampliação do rol de operações acessórias, considerando-se a data de aniversário de vigência da norma.
A par da boa intenção de incrementar a segurança jurídica nessas cobranças, a medida pode ter o indesejado efeito colateral de impedir a aderência das medidas necessárias para satisfação das próprias necessidades operacionais dos usuários, bem como impedir a correta remuneração por parte dos operadores ferroviários.
A modernização regulatória pretendida é muito bem vinda, mas deve considerar as necessidades concretas do setor ferroviário e de seus múltiplos agentes.