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Brasil pós-Copa 2018: desafios e caminhos para a reestruturação da logística nacional

Por Marcelo Dias Carvalho em 23 de julho de 2018 às 10h02 (atualizado às 16h25)
Marcelo Dias Carvalho

Os eventos aleatórios em uma partida da Copa do Mundo são sempre grandes vilões das equipes. Um pênalti perdido, uma bola que desvia e provoca um gol contra, uma falta inesperada no craque da seleção ou um juiz que não vê um puxão de camisa são eventos que atrapalham a previsibilidade dos resultados. Por outro lado, uma seleção bem montada, com investimentos desde as categorias de base, treinamento e estratégias bem definidos tem mais chances de seguir na competição, mesmo sem muita tradição no futebol. E vimos tudo isso ocorrer na Copa da Rússia. Resultados que se devem à aleatoriedade de cada partida, ao esforço e ao planejamento sério de várias seleções.

Encerrada a Copa, aqui no Brasil continuamos nossas partidas diárias nos vários segmentos da economia com as nossas seleções de empreendedores. E um setor que chamou a atenção de todos nós recentemente foi o de transporte de cargas rodoviárias por conta da greve geral e dos seus impactos.

Não era para menos, pois o modal rodoviário responde sozinho por 61,1% da matriz de transportes brasileira com caminhões de pequeno e grande porte. Ao mesmo tempo, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), cerca de 45% dos quase 2 milhões de veículos cadastrados na frota de transportadores são operados por autônomos que, juntos, formam uma seleção que movimenta grande parte das mercadorias que chegam nos lares e estabelecimentos comerciais do nosso país.

Da mesma forma que no futebol, se imaginarmos cada viagem de um pequeno transportador de carga rodoviária como uma partida, são muitas as variáveis que interferem no resultado. A diferença é que nas estradas brasileiras não há muita margem para lances errados e cada falta pode significar um grande prejuízo.

Hipoteticamente, vamos supor um frete de São Paulo para Salvador, trecho que conta com estradas razoáveis, para transportar uma carga de móveis de um novo restaurante que será inaugurado na capital baiana. Um motorista autônomo é contratado por uma operadora de cargas rodoviárias para realizar o transporte e um preço para a viagem é combinado entre as partes. Nessa hora, o transportador autônomo é um time que deverá ficar atento a diversos lances. Negociar um valor que cubra os seus custos e gere lucro no final é o primeiro lance do pequeno empresário sobre rodas. É o difícil momento da concorrência (obstáculo número 1). As habilidades necessárias para fechar o frete aqui envolvem boas noções de contabilidade e controle de custos por parte do pequeno transportador.

Assim começa o jogo, com a retirada dos móveis na cidade de São Paulo com todos os problemas de mobilidade urbana e limitação de circulação de caminhões (obstáculo número 2). São cadeiras, mesas, bancos e cristaleiras que deverão ser transportados com cuidado por mais de dois mil quilômetros até a cidade soteropolitana. O horário em que as mercadorias serão retiradas – após as 22h ou de madrugada – atrapalha a noite de sono do motorista que irá participar dessa partida na estrada com aproximadamente 26 horas de duração (excluindo as horas de paradas para descanso, conforme as leis trabalhistas).

A partir disso, o caminhoneiro entra em campo (ou pega a estrada) com o seu time, o caminhão e os seus acessórios, que muitas vezes não são os melhores e já estão um pouco obsoletos. Pneus em más condições, freios não testados e peças compradas no mercado paralelo devido aos altos preços das versões originais geram uma grande possibilidade de aleatoriedade no desenrolar dessa viagem, o que pode comprometer a chance de sucesso na partida.

Passados os bons trechos iniciais da Rodovia Fernão Dias no estado de São Paulo, o restante do percurso gera apreensão pelas estatísticas de roubo de cargas. As condições das estradas seguintes passam a ser um problema ainda maior e exigem atenção redobrada do pequeno empreendedor durante a sua viagem (obstáculo número 3). Buracos na pista, lombadas sem sinalização prévia, falta de faixas entre pistas e a ausência de placas de curvas acentuadas à direita ou à esquerda são apenas alguns adversários que estão prontos para fazer uma falta no caminhoneiro e influenciar o resultado da partida.

Parar para descansar depois de quatro ou cinco horas de viagem com segurança e conforto é outro problema a ser superado (obstáculo 4), o que muitas vezes obriga o caminhoneiro a seguir por trechos longos, penalizando as suas horas de sono, a sua saúde e a segurança de todos envolvidos nessa partida. Com menos horas de repouso, os reflexos são prejudicados e qualquer adversidade do clima ou da estrada se torna um grande inimigo do caminhoneiro. A falta de locais para fazer possíveis reparos no caminhão é uma realidade desde o estado de Minas Gerais até Salvador (obstáculo 5).

Os preços e a qualidade dos combustíveis são outro grande problema e contribuem para mais aleatoriedade, podendo provocar uma falta grave. Caros e de qualidade duvidosa, impactam diretamente nos custos da viagem, no lucro do empresário e em sua segurança (obstáculo 6).

Sob um sistema de alta concorrência, o pequeno empresário viu as suas chances de lucrar com o negócio bastante reduzidas depois dos sucessivos aumentos no preço da gasolina e do diesel no primeiro semestre de 2018. Por isso, a grande adesão deles à greve que afetou todo o território nacional não surpreendeu.

Principalmente no trecho entre Minas Gerais e Bahia, os animais na pista se transformam em mais um adversário a ser driblado para evitar acidentes (obstáculo 7). Novamente a variável “falta de descanso do caminhoneiro” volta a pesar, aumentando a aleatoriedade dos acidentes.

Multas e pedágios são outros dois componentes que afetam consideravelmente a lucratividade do transportador autônomo (obstáculo 8). A punição é importante para coibir ações erradas, mas muitas vezes os limites de velocidade confundem e se tornam armadilhas. Os pedágios, instrumentos de arrecadação para a melhoria das estradas, nem sempre resultam em melhores condições para os usuários das rodovias.

A falta de tempo entre fretes também pode ser considerada um adversário do pequeno transportador que não consegue fazer a manutenção preventiva do caminhão.  Com isso, aumentam as chances de defeitos leves se transformarem em problemas sérios e muito mais caros. Aliás, a depreciação do veículo é outro custo que o pequeno empreendedor geralmente não contabiliza (obstáculo 9), o que oculta perdas e o real lucro obtido em cada viagem.

Da mesma forma, os juros altos e a falta de linhas de crédito para a categoria impedem que esses caminhoneiros autônomos renovem o caminhão, aumentando as chances de quebras de peças e de prejuízos (obstáculo 10).

Problemas com a documentação da mercadoria do cliente também podem se transformar em um rival do caminhoneiro. Para driblar esse oponente, é preciso conhecer pelo menos um pouco de leis para o bom funcionamento do negócio. Nos postos policiais e fiscais pode haver retenções ou demora na liberação da carga, gerando atrasos na viagem (obstáculo 11).

Ainda dever ser considerada a possibilidade de avaria nos produtos transportados devido às condições das estradas. Para atenuar o prejuízo causado por esse tipo de problema são feitos os seguros de cargas, o que invariavelmente encarece o frete. Por isso, nem todos os caminhoneiros optam pelo seguro, o que pode provocar uma grande perda para as partes envolvidas (obstáculo 12).

Se nenhum evento aleatório ruim ocorreu até aqui, o caminhoneiro chegou a Salvador e entregou os móveis no restaurante, que irá gerar empregos na cidade, contribuir para a boa gastronomia baiana e ajudar a aquecer a economia local e nacional. Espera-se que, após um breve descanso, o caminhoneiro retorne carregado para São Paulo, diminuindo os seus custos totais (obstáculo 13). Será que ele conseguirá um bom frete de retorno para sua viagem?

A greve geral dos caminhoneiros deixou em evidência um dos inúmeros obstáculos enfrentados por essa importante categoria, que é a sistemática nacional de reajuste de preços dos combustíveis. Mas há muitas outras variáveis importantes para a viabilidade do transporte de cargas no Brasil que não podem faltar nas próximas pautas de reuniões e negociações entre governo e entidades de classe do setor de transporte:

  1. Melhor normatização e fiscalização do sistema de fretes para evitar contratações abaixo do preço viável para o transportador;
  2. Delimitações claras e de fácil acesso de horários e locais para a retirada de cargas nas cidades;
  3. Melhor manutenção das estradas;
  4. Aumento do número de postos para o repouso do caminhoneiro nas principais estradas brasileiras;
  5. Aumento do número de postos de assistência técnica nas estradas;
  6. Melhor fiscalização da qualidade dos combustíveis nas estradas;
  7. Construção de passagens subterrâneas para o trânsito de animais e proteção com cercas em lugares de maior incidência de vida silvestre;
  8. Concessão de vales-pedágio de acordo com a maior frequência de uso dos trechos de estradas;
  9. Cursos gratuitos de capacitação de transportadores autônomos em cálculos de custos de fretes e responsabilidades fiscais;
  10. Linhas especiais de crédito bancário para o pequeno transportador renovar a sua frota (ou único caminhão);
  11. Simplificação e unificação do sistema de cálculos de impostos e responsabilidades fiscais;
  12. Buscar sistema de parcerias com companhias de seguros para baratear os preços das apólices;
  13. Desenvolver e dinamizar aplicativos que garantam maior facilidade de buscas de fretes de retorno.

Discussões com pautas mais direcionadas para o aperfeiçoamento do transporte de cargas no Brasil são necessárias para evitarmos novas paralisações e prejuízos para toda a cadeia produtiva, desde o pequeno ou grande transportador até o dono do restaurante em Salvador. Esperamos boas ações e melhorias nesse importante setor que verdadeiramente move a economia para que sejamos referência em reestruturação logística até a próxima Copa do Mundo, no Catar, em 2022.

Brasil pós-Copa 2018: desafios e caminhos para a reestruturação da logística nacional

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