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Discussão sobre o rebalanceamento dos estoques em uma nova realidade

Por Beatris Huber, Bruna Basile e Leonardo Julianelli em 28 de agosto de 2020 às 18h00 (atualizado às 18h08)
Beatris Huber
Bruna Basile
Leonardo Julianelli

Introdução

Como se sabe, a pandemia de Covid-19 vem gerando impactos em vários setores e afetando as empresas em diversos aspectos de seus negócios. Incerteza e volatilidade têm resultado em variações abruptas da demanda, impactando os estoques das empresas, que acabam apresentando níveis de excesso e/ou ruptura além dos padrões regulares.

Nesse contexto, será apresentado um framework com a finalidade de trazer insights para o rebalanceamento adequado dos estoques a partir de diferentes situações que têm sido observadas nos últimos meses, traduzidas em ações práticas a serem implementadas para ajustes dos níveis de estoque.

Apresentação do framework para balanceamento de estoques

Inicialmente, o framework apresenta os possíveis impactos da crise nos estoques, elencando suas causas primárias mais prováveis. Ele explicita que o problema não é igual em todas as empresas, pois enquanto algumas enfrentam excesso de estoque, outras, por sua vez, estão sofrendo com a ruptura, e há ainda aquelas que estão enfrentando os dois problemas simultaneamente, dependendo do canal de atendimento ou da categoria de produto.

Esse desbalanceamento, é importante ressaltar, já acontece naturalmente, pois é muito difícil precisar o exato nível de estoque necessário, dadas as incertezas de fornecimento e consumo. No entanto, com a crise, é possível perceber um descolamento ainda maior entre o planejamento e a realidade, consequência do aumento das incertezas e limitações de fornecimento, fazendo com que o excesso e a ruptura fiquem muito maiores.

Em seguida, o framework descreve algumas possíveis ações para alcançar o rebalanceamento dos estoques. Essas ações estão organizadas em seis diferentes áreas, não se restringindo a funções diretamente relacionadas com o planejamento de estoque ou compras, mas englobando diversas áreas funcionais e mesmo iniciativas interempresariais, conforme figura 1.

Discussão sobre o rebalanceamento dos estoques em uma nova realidade
Figura 1 - Framework para rebalanceamento dos estoques. Fonte: Ilos

Efeito da pandemia nos estoques

Os efeitos da pandemia nos estoques são consequência da adoção do isolamento social como solução para evitar o crescimento descontrolado da Covid-19, o que colapsaria os sistemas de saúde e levaria ao aumento exponencial no número de mortes pela doença.  A interrupção de serviços não-essenciais, as adaptações necessárias nos processos operacionais para evitar a contaminação entre funcionários, a adoção do home office e mudanças radicais nos hábitos de consumo resultaram em mudanças inesperadas na demanda, gargalos logísticos e restrições nas capacidades produtiva e de fornecimento, que acabaram impactando os níveis de estoques.

Excesso de estoque

O excesso de estoque é considerado um grande inconveniente, pois está diretamente relacionado ao aumento de uma série de custos nas empresas, tais como o custo de capital investido, de armazenamento, de movimentação e de perdas, que podem ser críticas para produtos perecíveis, sazonais e tecnológicos. Para além dos referidos custos, há também uma pressão no fluxo de caixa, já que o fato de haver excesso de estoque significa que houve investimento em um produto que não está performando conforme planejado, reduzindo a entrada de receita.

Antes de tratarmos das possibilidades de ações para reduzir o excesso de estoque, é importante entender suas causas, resumidas aqui em três principais fatores.

Capacidade instalada

A primeira causa possível para o excesso de estoque está relacionada à capacidade de atendimento e de produção já existente na cadeia, que havia sido planejada para uma realidade de demanda anterior à pandemia.

Os estoques possivelmente já estavam formados em diversas etapas da cadeia de suprimentos para alimentar o fluxo de produto e foram planejados para atender a demanda de um cenário que sofreu grandes mudanças, podendo estar super estimados para a nova realidade. Além disso, a cadeia possui uma inércia e continua ocupando sua capacidade de produção já instalada, o que pode resultar em mais excedentes.

 A capacidade instalada não pode ser desmobilizada facilmente, e nem deveria por um evento pontual, uma vez que é resultado de decisões estratégicas de longo prazo. Deve-se também considerar que, uma vez instalada, é importante mantê-la ocupada para diluir os custos fixos, o que acaba criando um possível excesso de estoques na cadeia.

Redução da demanda

Outra importante causa do excesso de estoque, e talvez a mais intuitiva, é a redução drástica da demanda de alguns segmentos, como moda, eletrônicos e automóveis, ou em canais específicos, como restaurantes, bares e lojas físicas. Se o estoque foi planejado considerando a previsão de uma demanda maior que a realizada, o excesso de estoque é uma consequência inevitável.

Essa redução da demanda foi um efeito direto da pandemia, que não apenas mudou os hábitos de consumo com o isolamento social, mas resultou em uma crise econômica que afetou fortemente alguns setores. Esse cenário provocou uma redução no consumo, como consequência da redução na renda média da população, além de um sentimento de insegurança sobre a manutenção do emprego e a capacidade de financiar a aquisição de bens e serviços durante esse período.

A redução da demanda também impactou muitas empresas exportadoras, uma vez que a pandemia do Covid-19 é uma crise global, e não apenas um acontecimento local, o que justifica o grande impacto nas vendas para fora do país.

Restrição no escoamento

A terceira causa possível para o excesso de estoque são as restrições de escoamento no país e no mundo. Essas limitações causaram o excesso de estoque nos elos da cadeia anteriores ao gargalo logístico e ruptura nos elos seguintes.

Nas primeiras semanas de isolamento já ocorreram bloqueios nas estradas e dificuldade de distribuição para algumas regiões, além da interrupção de parte da operação de alguns portos e aeroportos. Depois, vieram os rígidos protocolos de higienização e saúde, que reduziram a produtividade da força de trabalho, tanto de motoristas quanto dos operadores em armazéns e instalações de cross-docking. Estas restrições logísticas geraram uma dificuldade de escoamento da produção e, com isso, algumas empresas, mesmo com estoque disponível e demanda por seus produtos, não puderam fazer com que estes chegassem aos seus clientes.

As restrições logísticas também impactaram o comércio internacional, com portos engargalados por falta de mão-de-obra e de veículos para escoamento das importações, o que causou o acúmulo momentâneo de contêineres nos portos de destino e falta de contêineres nos portos de origem.

Ruptura de estoque

A ruptura de estoque também traz efeitos negativos importantes para as empresas, relacionados principalmente com a perda de vendas. A falta de disponibilidade do produto pode causar não apenas a perda da margem daquela transação não realizada, mas também efeitos de longo prazo e difíceis de mensurar, como a desvalorização da marca e prejuízos para a imagem, além da insatisfação e perda de market share. A seguir serão resumidas três das principais causas de ruptura.

Restrições de fornecimento

A primeira causa está relacionada à restrição de fornecimento, seja pela redução do nível de serviço do fornecedor ou pelas restrições logísticas decorrentes da pandemia já tratadas anteriormente.

O fornecedor pode apresentar uma redução no nível de serviço oferecido antes da pandemia por uma série de razões, tais como: redução da capacidade produtiva, seja por restrições da força de trabalho, resultantes de novos protocolos de segurança e higiene, estabelecimento de escalas para minimizar contato entre diferentes grupos, restrição de exposição para o grupo de risco e contaminação de parte da equipe, pela limitação de recursos financeiros e capital de giro para financiar a compra de matéria-prima e sua produção ou por problemas com o seu próprio abastecimento.

Redução da capacidade

A redução da sua própria capacidade também é uma possível causa para a ruptura de estoque. A pandemia afeta diretamente a força de trabalho, que precisa operar em um novo formato para minimizar a contaminação. As regras rígidas de segurança e higiene, novas escalas para evitar contato entre diferentes equipes e afastamentos por licença médica reduzem a produtividade, impactando negativamente na capacidade produtiva.

As restrições financeiras da companhia frente à crise econômica causada pela pandemia também reduzem sua capacidade. A pressão no fluxo de caixa, redução do faturamento, atraso no recebimento e dificuldade em conseguir crédito no mercado, reduzem o capital de giro para aquisição de matéria-prima e outros investimentos na produção e movimentação dos produtos.

Aumento da demanda

O terceiro efeito da pandemia é um aumento inesperado da demanda de alguns itens específicos, causado pelo medo de desabastecimento do mercado ou mudança repentina nos hábitos de consumo.

Com a extensão do isolamento social, consumidores investiram mais em cuidados pessoais, entretenimento, praticidade na limpeza, conforto do lar e itens para home office, causando mudanças não previstas na demanda destes itens. Alguns produtos, como o aspirador de pó, por exemplo, tiveram aumento de até 800% em suas vendas.

Outra causa foi a antecipação de compras e formação de estoques de alguns itens, como papel higiênico, álcool e alimentos não perecíveis, no início da pandemia, quando a população ainda temia o desabastecimento das gôndolas.

Ações

A partir da contextualização do desbalanceamento do estoque e das suas causas, é possível levantar uma série de ações para auxiliar as empresas a voltarem a equilibrar seus estoques ou a melhorarem sua gestão. É importante ressaltar que as ações descritas a seguir vão além das funções diretamente relacionadas à gestão dos estoques, mas englobam diversas áreas da empresa e de seus parceiros ao longo da cadeia. Isso porque os estoques são o resultado de uma série de decisões internas e contextos externos e, por isso, é preciso ter consciência de que o seu rebalanceamento depende de ações nas mais diversas esferas.

Operações

A área de operações é a que se relaciona diretamente com a gestão de estoques, pois engloba a capacidade de atendimento, o planejamento da demanda e a parametrização dos estoques.

Ajuste da capacidade

No período da pandemia, as empresas tiveram que tomar algumas ações para mitigar os riscos de contágio na operação, o que reduziu a capacidade produtiva das empresas, mas foi necessário para garantir a continuidade das operações. Para evitar o risco de ruptura, é importante aumentar a eficácia da operação, focando na produção dos itens mais importantes, redirecionando as linhas de produção para minimizar os setups e suspender manutenções programadas, mantendo apenas aquelas emergenciais.

Para aqueles que estão vivenciando o excesso de estoque, é importante considerar que a desmobilização definitiva da capacidade deve ser uma decisão de longo prazo, mas podemos lançar mão de ajustes temporários, como suspensão temporária dos contratos de trabalho, férias coletivas e banco de horas. Além disso, pode ser necessário rever a capacidade de armazenamento, pois o aumento do estoque pode exigir mais espaço para guardar dos produtos excedentes.

Rápida reação à demanda

O período de crise aumenta a variação da demanda, dificultando sua previsão e planejamento para horizontes mais alargados de tempo. Por isso, é muito importante criar mecanismos para melhorar a qualidade da previsão de vendas e reagir rapidamente às mudanças na demanda.

Uma forma de aumentar a acuracidade da previsão diante da incerteza é acompanhar a demanda em tempo real por meio de processos e tecnologia, que aumentam a visibilidade das vendas não apenas da sua empresa, mas do seu cliente. Incorporar na metodologia de previsão outras variáveis, que se correlacionam com a demanda, pode aumentar a qualidade do forecasting e reduzir a dependência do histórico para prever as vendas futuras. Por último, é importante reduzir a granularidade dos dados, fazendo análises por regiões mais específicas, canal de vendas, perfil de cliente, na tentativa de compreender melhor o seu comportamento.

A partir de um forecasting mais acurado, é preciso reduzir o ciclo de planejamento, encurtando o processo para aumentar a velocidade de reação às mudanças, uma vez que as variações e as incertezas são grandes neste período. Recomenda-se a criação de um processo semanal de planejamento, conduzida por uma equipe multidisciplinar - líder de S&OP, Comercial, Trade Marketing, Distribuição, Operações e Finanças - e com poder para tomar decisões de atendimento da demanda, reduzindo a cadeia decisória e aumentando a velocidade de reação.

Revisão de parâmetros

As decisões de quanto e quando pedir ou produzir, assim como quanto manter de estoque de segurança são consequências de parâmetros como velocidade de atendimento do fornecedor, variação no atendimento, incertezas da produção, previsão da demanda, erro de previsão ou variação da demanda, nível de serviço esperado, custo da falta e custo do excesso. Em momentos de crise, esses parâmetros mudam com maior velocidade e intensidade. Por isso, é importante acompanhá-los e aumentar a frequência de revisão para que o nível de estoque se ajuste ao novo cenário.

Outra iniciativa de sucesso é buscar influenciar esses parâmetros, como através da aproximação com o fornecedor para reduzir a incerteza no abastecimento, negociar lead times mais curtos, buscar fornecedores com melhor nível de serviço, ajustar o nível de serviço oferecido ao seu cliente, se aproximar do cliente para reduzir as variações na demanda, entre outros. Algumas dessas ações envolvem outras áreas da companhia e serão tratadas nas sessões seguintes.

Discussão sobre o rebalanceamento dos estoques em uma nova realidade
Quadro 1 – Resumo de ações de rebalanceamento em operações. Fonte: Ilos

Marketing

O marketing pode ser um importante aliado no rebalanceamento dos estoques, uma vez que decisões de portfólio, preço, praça e promoção são estratégias que impactam a demanda e ditam a necessidade de estrutura, capacidade e formato de atendimento da área de operação.

Otimização do portfólio

A variedade de portfólio é uma importante estratégia competitiva em tempos normais, no entanto, durante uma crise, como a provocada pela pandemia do Covid-19, oferecer muitas opções pode não ser um diferencial para o consumidor, que prefere minimizar seus riscos e adquirir os produtos que já está acostumado a comprar e direcionar seus recursos contritos para itens essenciais.  Além disso, parece adequado reduzir o nível de complexidade operacional, diante das restrições da força de trabalho e das incertezas de fornecimento, produção e demanda. Quanto menor o portfólio e maior foco nos SKUs de maior giro, maiores as chances de otimizar os recursos e maximizar o retorno.

Por isso, é fundamental atentar para as mudanças no comportamento de consumo, ajustando o portfólio e identificando os itens estratégicos que deverão ser priorizados. Um exemplo desta mudança é a migração de embalagens individuais para um lanche na escola, ou coffee break no trabalho, para embalagens familiares para consumo em casa.

Novos mercados

Para aqueles que estão vivenciando a queda da demanda, a busca por novos mercados é uma saída para escoar seus estoques. A demanda pode estar em novos canais de venda ou novos nichos de mercado. Os restaurantes, por exemplo, tiveram que buscar novas formas de atender o consumidor através de serviços de entrega por aplicativo e telefone.

Novos mercados também podem ser alcançados ao expandir a abrangência geográfica através do e-commerce ou por meio da exportação. Muitos grupos sucroalcooleiros, por exemplo, ao perceberem a redução da demanda por etanol no mercado nacional converteram suas usinas para a fabricação de açúcar, direcionando a produção para o mercado externo.

Ajuste de preço

O ajuste de preço do produto é uma das formas de influenciar a demanda do mercado, sendo um recurso para ajustar a capacidade de atendimento no curto prazo. Se o problema for o excesso de estoque, é possível reduzir o preço momentaneamente por meio de descontos para incentivar a demanda. Também é possível combinar ações de preço com maior prazo de pagamento para ajudar o cliente no financiamento dos estoques.

No entanto, se a questão for o risco de ruptura por baixa disponibilidade de estoque, o aumento do preço é uma forma de atender os clientes dispostos a pagar mais pelo produto e ainda maximizar a rentabilidade.  Mas é preciso cautela nessa estratégia, pois um aumento nos preços pode afetar a imagem da empresa, que pode ser percebida como oportunista em um momento de crise.

Associado ao ajuste de preço, é preciso comunicar adequadamente suas campanhas e esforços de atendimento, uma vez que a transparência tem um papel ainda mais importante em momentos de crise.

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Quadro 2 – Resumo de ações de rebalanceamento em marketing. Fonte: Ilos

Fornecedor

A relação com o fornecedor é um ponto fundamental quando falamos de gestão de estoques. A qualidade do fornecimento vai ditar a necessidade de estoque de segurança para cobrir as incertezas do atendimento, o estoque mínimo resultado do lote de compra ou da frequência de ressuprimento, assim como o tempo de resposta do fornecedor e o custo de aquisição do produto, que impacta diretamente no custo do seu estoque.

Mapa da cadeia de fornecimento

É fundamental conhecer seus fornecedores e desenvolver diferentes relações para cada tipo de item comprado. Dependendo da importância estratégica do SKU, será necessária uma relação mais próxima com o fornecedor, diluir o risco entre diferentes fornecedores ou até incentivar a concorrência entre fornecedores na busca do melhor preço. E, em um momento de crise, é preciso rever as relações estabelecidas, pois suas condições de atendimento podem ter mudado. É preciso mapear a capacidade de atendimento dos fornecedores em termos de disponibilidade de estoque, frequência de reposição, lead time de transporte e variações no atendimento, como erros no pedido ou atrasos na entrega. Esse mapeamento tem o objetivo de entender o risco de fornecimento e a nova necessidade de estoque perante as condições de fornecimento que se apresentam.

Para fazer o mapa completo do risco de fornecimento, é preciso ir além dos seus fornecedores diretos e identificar os fornecedores de segundo nível, ou seja, os fornecedores dos seus fornecedores, principalmente daqueles itens mais importantes ou estratégicos para a companhia, pois uma falha de reposição de estoques do fornecedor pelo elo anterior pode impactar o atendimento para a sua empresa.

Desenvolvimento de alternativas

Outra ação para mitigar os riscos de fornecimento é buscar fornecedores alternativos para um atendimento emergencial, principalmente para aqueles itens mais estratégicos, caso o fornecedor principal não consiga atender a demanda. Essas alternativas precisam ter um bom nível de serviço, mesmo que mais caros, pois é melhor sofrer uma redução na margem do que uma ruptura de estoque que causa a perda da margem por completo, além de todos os outros custos imensuráveis da falta.

Busca por serviço

A negociação de uma melhoria no nível de serviço no fornecimento também ajuda no rebalanceamento do estoque. Isso porque o aumento da frequência de ressuprimento, a redução do lead time, a melhor previsibilidade do atendimento e a qualidade da informação reduzem as incertezas e viabilizam uma reação mais rápida, reduzindo a necessidade de estoques e facilitando sua gestão.

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Quadro 3 – Resumo de ações de rebalanceamento em supply. Fonte: Ilos

Cliente

A relação com o cliente também é importante no balanceamento dos estoques, pois é a demanda quem dita a velocidade de escoamento. Conhecer cada cliente e o seu valor relativo para a companhia também é fundamental na hora priorizar quem será atendido em um contexto de risco de ruptura.

Clusterização

Segmentar a base de clientes e entender suas expectativas e necessidades, assim como a importância de cada segmento para o negócio, é necessário para que o serviço oferecido possa se ajustar a essas expectativas e ao custo de atendimento de cada cliente para maximizar o retorno. Caso não haja diferenciação, pode-se atender um cliente-chave de forma insatisfatória ou atender um cliente não prioritário além de suas expectativas, fazendo mal uso dos recursos da empresa. Em tempos de crise, a otimização dos recursos se torna ainda mais importante.

Para alguns segmentos, por exemplo, a disponibilidade de estoque pode ser mais importante que o prazo de entrega. Para outros, a velocidade é mais importante, mesmo que haja ruptura de alguns itens. Entender essas necessidades é fundamental para a decisão de localização dos estoques, uma vez que se o alvo for maior disponibilidade, centralizar o estoque é a melhor alternativa, mas se velocidade for o diferencial, nesse caso é melhor descentralizar o estoque para que fique mais próximo do cliente.

Diferenciação por serviço

A pandemia coloca muitas dificuldades para que o nível de serviço seja mantido, o que pode gerar oportunidade para empresas mais bem estruturadas. Caso se identifique uma necessidade não atendida pela concorrência, a oferta qualificada e a disponibilidade de produtos pode atrair novos clientes e resultar em aumento de market share. Portanto, a sobre-estocagem pode garantir a oportunidade de atender e conquistar novos clientes.

Ciente como parte da solução

Envolver o cliente na solução do problema também é uma estratégia interessante na missão de rebalancear os estoques. Do mesmo jeito que é necessária uma aproximação com os fornecedores para minimizar as incertezas de fornecimento, melhorar a relação com o cliente pode reduzir as incertezas da demanda. Ter visibilidade dos estoques do cliente e da demanda do cliente em tempo real permite uma reação rápida e um melhor planejamento da necessidade de estoque.

Outro aspecto fundamental é a ampliar e aprofundar a comunicação. Na falta de algum item, por exemplo, é importante perguntar prontamente ao cliente se ele pode ser substituído por outro ou se prefere que o pedido seja enviado incompleto, informando sobre a indisponibilidade e ajudando na solução mais adequada para o cliente, que pode ser o cancelamento do pedido.

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Quadro 4 – Resumo de ações de rebalanceamento em customer service. Fonte: Ilos

Cadeia

O rebalanceamento dos estoques também envolve uma visão da cadeia de suprimentos como um todo, por meio do mapeamento das capacidades de atendimento de todos os elos, da revisão do posicionamento do estoque e de iniciativas de orquestração da cadeia.

Mapeamento da capacidade

O mapeamento da cadeia consiste no conhecimento da capacidade de atendimento de todos os elos, incluindo suas coberturas de estoque e suas capacidades produtivas. Dessa forma, é possível mapear o risco de ruptura de algum elo, tanto nos elos anteriores de fornecimento quanto nos posteriores, e atuar para evitar o colapso da cadeia. Essa iniciativa também permite ações para balancear melhor os estoques entre os elos da cadeia, reduzindo os seus custos e melhorando o atendimento do cliente final.

Reposicionamento do estoque

As mudanças causadas pela pandemia impactaram a demanda, o mercado fornecedor, as importações e exportações e os serviços logísticos, levando a novas estratégias de atendimento do mercado. Essas novas estratégias podem ter gerado a necessidade de revisão da rede logística por meio da mudança dos centros de produção, da transferência de estoque entre instalações, criação de cross-docking, contratação de armazéns temporários, uso de lojas físicas como pontos avançados de estoque, entre outras iniciativas. Algumas indústrias, por exemplo, criaram canais de atendimento direto ao consumidor final por meio do e-commerce, evitando assim mais um intermediário na cadeia. Para o varejo tradicional, a descentralização dos estoques por meio do avanço para as lojas físicas já existentes na rede foi uma forma de chegar ao consumidor final com mais velocidade. A revisão da localização dos estoques também é uma ação necessária para o seu rebalanceamento.

Orquestração da cadeia

Iniciativas de orquestração da cadeia já eram discutidas e implementadas antes mesmo da pandemia, como soluções de financiamento de parceiros, torre de controle, compartilhamento de informações, planejamentos colaborativos, compartilhamento de ativos, entre outros. Com a crise, essas iniciativas passaram a ter mais valor e, muitas vezes, passaram a ser fundamentais para a sobrevivência do negócio, acelerando planos de orquestração que existiam apenas no papel.

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Quadro 5 – Resumo de ações de rebalanceamento em gestão da cadeia. Fonte: Ilos

Multidisciplinar

Algumas iniciativas de rebalanceamento dos estoques exigem equipes multidisciplinares, pois tratam de decisões envolvendo várias áreas da empresa ao mesmo tempo, como é o caso da gestão de risco, investimento em digitalização e tecnologia e planejamento da retomada pós-crise.

Gestão de risco

A gestão de risco envolve identificar os problemas potenciais, avaliar seus riscos, construir cenários, planejar possíveis respostas para cada cenário e controlar os riscos por meio de indicadores. A maior parte dos executivos não estava preparada para a crise do Covid-19, evidenciando falhas na gestão de riscos das empresas e a importância da implementação desse tipo de projeto. Para o momento, é importante criar planos para continuidade das operações e para falhas no fornecimento. Aumentar os estoques de segurança também pode ser uma resposta no caso de incerteza sobre os cenários futuros

Digitalização

O empoderamento do consumidor, que está cada vez mais exigente, com acesso amplo a informação e com capacidade de promover ou difamar empresas por meio de redes sociais, já exigia um aumento no nível de serviço, que vem sendo viabilizado pela transformação digital do supply chain. Com a pandemia, o valor da tecnologia se tornou ainda maior. Muitas das ações citadas anteriormente exigem investimento em tecnologia para aumentar a visibilidade, a velocidade de reação, a precisão no atendimento da demanda, a flexibilidade e aprimorar o processo decisório.

Retomada

Sobreviver à pandemia não é suficiente para a continuidade do negócio, é preciso estar preparado para a retomada. Nesse período, muitas decisões urgentes foram tomadas com o objetivo de lidar com incertezas e falhas no atendimento. Agora, passado o pior momento da crise, a empresa deverá priorizar a padronização e estabilização de processos, a melhoria contínua e o controle dos custos. A criação do novo normal exige o envolvimento de todas as áreas da empresa e ter seus níveis de estoque ajustados será consequência de um trabalho multidisciplinar.

Discussão sobre o rebalanceamento dos estoques em uma nova realidade
Quadro 6 – Resumo de ações multidisciplinares de rebalanceamento. Fonte: Ilos

Conclusão

Os impactos da pandemia nos níveis de estoques foram resultados de uma série de efeitos que envolveram mudanças na demanda, no mercado fornecedor e nas estruturas logísticas. Seus impactos causaram tanto excesso de estoque quanto ruptura, gerando um grande desbalanceamento.

Apesar do excesso de estoque ser um grande problema e o principal efeito da pandemia nos estoques, ele pode apresentar menor impacto nos resultados das empresas, uma vez que estamos vivendo um momento histórico de queda da taxa Selic, reduzindo o custo financeiro deste excedente.

A queda da Selic, portanto, pode trazer um pequeno alívio para aqueles com excesso de estoque, ou mesmo viabilizar uma elevação nos estoques de segurança perante as incertezas causadas pela pandemia. Mas os custos dos estoques vão além do custo de capital e o seu rebalanceamento pode ser fundamental para a sustentabilidade do negócio.

Para inspirar os executivos e trazer insights para a construção de um plano de ação de rebalanceamento dos estoques, foram tratadas 18 áreas em 6 diferentes esferas decisórias, oferecendo uma visão holística sobre o problema.

Discussão sobre o rebalanceamento dos estoques em uma nova realidade
Figura 2: Histórico da taxa Selic. Fonte: Banco Central. Nota: Meta da taxa Selic, definida na reunião do Copom em 05/08/2020, a Selic apurada na data apresenta taxa de 2,15%

Referências

McKinsey & Company, “Supply Chain recovery in coronavirus times plan for now and the future” <https://www.mckinsey.com/business-functions/operations/our-insights/supply-chain-recovery-in-coronavirus-times-plan-for-now-and-the-future>

DHL Trend Research (2020), “Next-Generation Wireless in Logistics” <https://www.dhl.com/global-en/home/insights-and-innovation/thought-leadership/trend-reports/next-generation-wireless.html>

Bain & Company, “Supply Chain Leassons from Covid-19: Time to refocus on Resilience”  <https://www.bain.com/insights/supply-chain-lessons-from-covid-19/>

Deloitte, “10 ações para empresas diante de uma pandemia” <https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/about-deloitte/articles/10-acoes-empresas-pandemia.html>

Estadão, “Coronavírus faz estoques de industrias e varejistas saltarem a níveis recordes” <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,coronavirus-faz-estoques-de-industrias-e-varejistas-saltarem-a-niveis-recordes,70003296180>

Fastcompany, “Data driven solutions to the global disruption of supply chains” <https://www.fastcompany.com/90508657/5-data-driven-solutions-to-the-global-disruption-of-supply-chains>

Gartner, “Gartner survey reveals 33 percent of supply chain leaders moved business out of China or plan to by 2023” <https://www.gartner.com/en/newsroom/press-releases/2020-06-24-gartner-survey-reveals-33-percent-of-supply-chain-leaders-moved-business-out-of-china-or-plan-to-by-2023>

Insead, “A Post-Covid Outlook: The Future of the Supply Chain” <https://knowledge.insead.edu/blog/insead-blog/a-post-covid-outlook-the-future-of-the-supply-chain-14311>

   
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