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A infraestrutura logística não padece de planos, mas de realização

Por Paulo Roberto Guedes em 18 de março de 2022 às 9h00
Paulo Roberto Guedes

São diversos os estudos, projetos e planos desenvolvidos, não só pelo Governo Federal mas também pela iniciativa privada, no sentido de se alcançar, nas atividades logísticas, maior produtividade e eficiência operacional, tanto para as movimentações internas de mercadorias como aquelas voltadas à exportação e à importação.

Exatamente com esses objetivos, ainda no final do ano passado, o Ministério da Infraestrutura (Minfra) e a Empresa de Planejamento Logístico (EPL) lançaram o Plano Nacional de Logística 2035 (PNL2035) e, reconheça-se, com uma significativa vantagem quando comparado com outros planos, por dois fatores que considero fundamentais:

1º) Ao invés de “partir do zero”, o Minfra/EPL optou por analisar os diversos diagnósticos e estudos já existentes, fossem eles relativos às obras em andamento, à viabilidade de cada uma delas, aos contratos de concessões ou às desestatizações previstas. Aproveitando-se daquelas experiências e de mais de dois mil projetos conhecidos, muitos dos quais ainda no papel e outros já com obras iniciadas, foi possível construir uma proposta que, além da visão de futuro e considerando as oportunidades que se apresentavam, buscou atender as principais necessidades nacionais.

Aqui vale ressaltar os estudos técnicos e econômicos incluídos no Plano Nacional de Logística e Transportes de 2007 (PNLT) desenvolvidos pelo Ministério dos Transportes (ainda durante o governo Lula) e que contou com a participação de quase todos os setores representativos ligados ao setor, de instituições públicas e privadas, a empresas, universidades e até os poderes Legislativo e Judiciário.

Relembre-se, inclusive, que as premissas principais, utilizadas naquele plano (de caráter indicativo e considerando-se os processos de desenvolvimento sócio e econômico do Brasil, de Estado e não apenas de Governo, Multimodal, fundamentado nos conceitos de territorialidade, de segurança e ocupação do território nacional, e de desenvolvimento sustentável do País, com equidade e justiça social e compromisso com a preservação do meio ambiente, evolução tecnológica e racionalização energética), exigiam que se praticasse, via organização e gestão eficaz, o envolvimento de todas as esferas de governo ligadas ao setor de transportes.

2º) Reconhecimento, diante dos baixíssimos níveis de investimentos em infraestrutura logística e de transportes realizados, notadamente nos últimos anos, insuficiência até para a reposição da “infraestrutura gasta” o que, sem dúvida, vem resultando na significativa redução do “estoque” de infraestrutura nacional, com consequências imediatas no aumento de custos e na diminuição da qualidade dos serviços prestados. Desse reconhecimento e considerando as dificuldades financeiras do governo, a exigência de uma crescente participação do investimento privado foi uma conclusão lógica e essencial.

Aqui também vale observar que, na medida em que se ampliam os investimentos da iniciativa privada, mais recursos ‘sobram’ para o governo aplicar em outras políticas também essenciais, notadamente as políticas sociais tão necessárias neste país. E se recordarmos a certa ‘improdutividade’ do setor público, a vulnerabilidade à corrupção e à descontinuidade quando se fala em “obras de infraestrutura”, maiores participações do setor privado nos investimentos, devidamente controlados, é decisão bem-vinda.

Para elaboração do Plano, considerando as diversas hipóteses de demanda futura, variação regulatória e inovação tecnológica, foram desenvolvidos nove cenários distintos. Isso, evidentemente, criou reais possibilidade para que se escolhessem os projetos que mais causassem “impactos positivos transformadores”, tanto sob o ponto de vista econômico como operacional. E na avaliação de cada um desses cenários foram considerados diversos indicadores, tais como acessibilidade, eficiência, confiabilidade, segurança, racionalidade da matriz, modal de transporte, integração internacional, impactos no desenvolvimento socioeconômico regional e econômico nacional, sustentabilidades econômica e ambiental, atendimento às demandas de defesa e segurança nacionais. As análises de cada um dos cenários, muito semelhante ao que se fez no PNLT, aqui já citado, mostraram as necessidades gerais para o desenvolvimento da rede de transportes, bem como aquelas mais específicas e relacionadas às características de cada região geográfica do País.

Além do que, conforme diagnóstico de há muito conhecido, quatro pontos foram correta e justamente destacados: 1) necessidade de se desenvolver projetos específicos para modernização das frotas (ferroviário, portuário e rodoviário, principalmente); 2) elaboração de um conjunto de melhorias que diminuam os tempos de transferência das cargas, nos diversos modais; 3) ampliação das capacidades operacionais, notadamente no modal ferroviário e nas operações portuários; 4) investimentos para a prevenção de acidentes, em especial no modal rodoviário.

Segundo o PNL2035, a expansão e o desenvolvimento da infraestrutura de transportes no Brasil até 2035, caso seja considerado o Cenário 9 (de máxima oferta), necessitará R$ 789 bilhões em investimentos (média de R$ 52,6 bilhões por ano). No Cenário de menor demanda, os investimentos poderiam alcançar cerca de R$ 376 bilhões (média de R$ 25,1 bilhões por ano). Observação: ao considerar todos os recursos direcionados a investimentos e manutenção dos empreendimentos simulados, o valor total de desembolso previsto até 2035 pode chegar a R$ 1,172 trilhão no cenário com maior oferta de infraestrutura logística (Cenário 9).

Vale à pena relembrar que já em 2017 a Confederação Nacional do Transporte (CNT), na apresentação de seu plano de transporte e logística, ao listar mais de 2.045 projetos para todos os modais de transporte, de forma integrada e sistêmica, estimava investimentos na ordem do R$ 1 trilhão.

Apenas como ilustração, alguns dos principais resultados esperados com a realização do PNL2035: (a) elevação do modal ferroviário dos atuais 21% de participação no total, quando medidos por TKU (tonelagem por quilômetro útil), para 30% no mínimo, em todos os cenários; (b) redução de até 16% nos níveis de emissões de GEE; (c) redução de até 12% no tempo médio nos deslocamentos das pessoas no âmbito urbano; (d) redução no custo médio do transporte de cargas intermunicipal, entre 17% a 39%; (e) aumento de até 9% na segurança rodoviária; (f) expectativa de que os investimentos realizados produzam impactos positivos no PIB de até 11%.

Considere-se também, que no Cenário Transformador (de nº 9), entre outras projeções, são esperados: (a) diminuição no custo do transporte de cargas em até 27%; (b) redução no tempo de viagem dos passageiros em 8%; (c) redução nos acidentes rodoviários em 17%. Valores significativos, sem dúvida.

Com base nos estudos desenvolvidos e projetadas algumas das novas demandas, foi possível projetar – espera-se que revisões sejam feitas periodicamente - uma infraestrutura de transportes compatível. Alguns números e informações: (a) aumento na extensão da malha ferroviária em 61%; (b) via pavimentações, duplicações e demais intervenções em estudos já previstos nos contratos de concessões atuais, aumento na capacidade do transporte rodoviário equivalente a 61%; (c) aumento no número de aeroportos com voos regulares em 53%; (d) aumento nas operações portuárias entre 42% e 104%. Nos portos do Arco Norte esse aumento deverá ficar entre 73% e 125%; (e) crescimento médio acumulado nos 15 anos do Plano, para os diversos modais: rodoviário, 5%; ferroviário, 193%; cabotagem, 57%; hidroviário, 44%; dutoviário, 58%; e aeroviário, 60%.

Consequentemente, como os investimentos em infraestrutura geralmente envolvem grandes quantias, cujos retornos acontecem somente a partir do médio-prazo, será imprescindível que o País se mantenha, política, econômica e juridicamente, em situação extremamente estável, de tal forma que as condições regulatórias e contratuais sejam satisfatórias para todos. Planejamento de longo prazo e respeito ao que foi contratado são desejáveis.

A observação feita no bojo do PNL2035 é perfeita: “nessa perspectiva, é essencial que os empreendimentos analisados de forma mais detalhada nos planos setoriais busquem soluções aderentes às necessidades econômicas e sociais do país, mas também que sejam atrativas para o mercado”.

Quase que simultaneamente (dia 14/12/2021), também foi aprovado pelo Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura (6), o Plano Integrado de Longo Prazo de Infraestrutura 2021.2050 (PILPI-2021/50), no qual estão previstos os investimentos necessários a esse mister, ao longo dos próximos 30 anos. Evidente que estão contempladas aqui as iniciativas previstas pelo PNL2035, mas é importante ressaltar a importância do PILPI, pois além de oferecer base consistente para avaliações, cria-se um espaço para a realização de discussões e novas atualizações. É a partir desta visão, sistêmica e integrada, que contempla planos de Governo e de Estado, Gerais (infraestrutura como um todo) e Específicos (transportes), que se tem reais possibilidades de se compreender quais são os investimentos necessários para que o País elimine seus principais problemas de infraestrutura.

Interessante também, aliás como explicitado no próprio PILPI-2021/50, observar que seus principais objetivos tem total aderência do que busca o PNL2035, bem como os diversos estudos e pesquisas que, ao longo do tempo, vem defendendo um esforço de expansão e modernizador da infraestrutura brasileira: (a) enfatizar as qualidades ambientais, sociais e de governança desses projetos; (b) desde que mantida a autonomia de cada ministério e suas respectivas prioridades, promover a compatibilidade entre os diversos planos setoriais que compõem a infraestrutura do Governo Federal e, se possível, destes com aqueles desenvolvidos pelos governos estaduais e municipais; (c) aumentar a participação do setor privado nos investimentos previstos (incluem-se, aqui, a consolidação das reformas regulatórias); (d) melhorar a qualidade e a eficiência do gasto público nessas atividades; e (e) aumentar a qualidade e o estoque de infraestrutura no País.

Atrevo-me, à semelhança do que fiz em outros artigos, fazer algumas observações que podem ajudar na consecução do que aqui se propõe.

1º) Consolidar o PNL2035 (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2035) como um plano de Estado e em real instrumento de institucionalização de um processo contínuo de planejamento, de forma a integrar todas as políticas pertinentes, inclusive com o PILPI.

2º) Restabelecer a capacidade de planejamento integrado que contemple, de fato, toda a cadeia logística nacional, e definir a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), uma vez que existe para essa finalidade, como única empresa estatal responsável para organizar, estruturar e qualificar o planejamento integrado da infraestrutura e da logística no Brasil.

3º) Reforçar a integração dos modais de transporte e as cadeias produtivas, respeitando as vocações regionais e o meio ambiente e de tal forma que se estimule a multimodalidade.

4ª) Estabelecer políticas que direcionem os investimentos em infraestrutura de transporte rumo ao “carbono zero”, pois sem dúvida, uma das grandes preocupações mundiais é o cuidado com a proteção do meio ambiente e da sustentabilidade. Ferrovias e hidrovias não só contribuem para a elevação dos níveis de serviço e a diminuição de custos, como também a emissão de Gases de Efeito Estufa - GEE.

5ª) Promover, em toda a infraestrutura de transportes existente, melhorias nas condições para permanência daqueles que trabalham no setor, mais notadamente os trabalhadores de “chão de fábrica”, pois é imprescindível maiores cuidados com a saúde e a segurança das pessoas, principalmente diante das possibilidades, cada vez maiores, da ocorrência de pandemias como a atual.

6ª) Considerando-se a importância dos impactos que o PNL2035 poderá gerar no setor, será essencial exaustivo esclarecimento e negociação com todas as partes envolvidas, de forma a evitar atrasos, retrocessos ou resistências desnecessárias. No transporte rodoviário, por exemplo, considerando-se que alguns fretes de longa distância poderão ser substituídos por fretes de curta distância, os impactos na vida dos “caminhoneiros” serão diretos e reais.

Em resumo, é preciso definir os novos papéis institucionais dos diversos órgãos que “discutem e planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país, incluindo-se aqui, as próprias agências reguladoras, que precisarão desempenhar um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, mais complexa operacionalmente e que exige novas relações com as concessionárias. E estas, por sua vez, precisam oferecer, além de tarifas justas, maior qualidade nos serviços prestados.

Será fundamental que se combatam os entraves à modernidade, tais como a fragmentação dos núcleos de gerenciamento e decisão, a desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, a politização dos cargos nas agências, ministérios e departamentos técnicos, as indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios, e a falta de políticas claras de investimentos e suas correspondentes garantias.

Pois é, depois de décadas de paralisia, o Brasil já passou pela fase de discussão e conhece as principais causas que mantêm o chamado “custo logístico” como um dos entraves do crescimento e desenvolvimento econômicos. Tratado como prioridade, a efetiva e eficiente execução do PNL2035, bem como os ajustes futuros, não só contribuirá para a melhoria da logística brasileira como estimulará a realização de novos investimentos. Urge, portanto, transformar o PNL2035, assim como outros que se seguirão, em realidade.

A infraestrutura logística não padece de planos, mas de realização
Paulo Roberto Roberto Guedes, sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da Abol
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