Projeções recentes apontam que o mercado global de IA aplicada ao supply chain deve crescer a uma taxa anual de 22,9% até 2031, alcançando mais de US$ 50 bilhões. O Brasil, aos poucos, ganha protagonismo nessa corrida, com três em cada dez empresas brasileiras já utilizando inteligência artificial em seus processos logísticos, segundo números da startup SimpliRoute.
Com investimentos que alcançaram US$ 1,9 bilhão no Brasil em 2023 (mais de R$ 10 bi na conversão atual), o uso de IA em supply chain é decisivo para que a área encontre respostas para pressões como a instabilidade global, crescimento do e-commerce e mudanças regulatórias e tributárias internas.
James Barroso, Diretor de Go To Market da Infor na LatAm, bateu um papo exclusivo com a Tecnologística sobre os impactos da IA na logística. Confira:
P: Você pode falar um pouco sobre os agentes de IA e o que eles trazem de diferencial em relação aos Grandes Modelos de Linguagem que já usamos?
Eu acho que é como se fosse uma encruzilhada. Quando a gente fala de uma automatização, ela é uma automatização pré-definida. Para dar um exemplo na intralogística: eu recebo uma nota fiscal, aquilo entra dentro do meu armazém, eu armazeno o produto e ele fica disponível pra poder fazer o picking, sorting ou entrega daquele determinado item. Esse processo pode ser automatizado. O que o agente entrega a mais?
O agente pode estar conectado com o sistema eletrônico pra receber o XML, ele pode ler o seu e-mail e classificar uma informação a partir de um dado que você tá recebendo, ele pode receber uma mensagem no seu comunicador lá no Teams por exemplo, para já poder qualificar alguma coisa em função daquela entrada, ele pode interagir pro seu RP, ele pode interagir com o usuário para fazer uma solicitação de um workflow. É sobre automatizar e reduzir os gargalos operacionais que tem dentro da operação.
P: A gente pode chamar então de um novo grau de proatividade da tecnologia?
Com certeza, é exatamente isso. É uma tecnologia que é proativa e não reativa. A automatização, muitas das vezes é reativa: espera-se um determinado input, e aí ele executa uma linha. O agente não trabalha dessa maneira, ele trabalha com condições, com cláusulas, igual a um ser humano agindo dentro de um determinado contexto.
P: Que papel essas tecnologias vão ter nos objetivos de sustentabilidade das empresas?
Acho que o primeiro ponto é a redução da pegada de carbono. Como eu consigo ser sustentável no meu processo intralogístico reduzindo a pegado de carbono, por exemplo? Eu posso fazer uma otimização de embalagens, sempre analisar os produtos que eu estou enviando para os meus clientes de um CD para outro CD ou fazendo toda a operação logística, buscando sempre a eficiência máxima do ponto de vista de embalagem, porque assim eu reduzo a emissão de carbono.
Tem vários outros aspectos, a gente tem clientes, por exemplo, olhando índices pluviométricos, fazendo logística inversa de devoluções, tratando scrap na indústria, fazendo processos de reciclagem. Tudo isso através de inteligência artificial, gerando essa proatividade que a gente conversou e também fazendo a automatização aliada aos agentes.
Então as possibilidades de ser mais sustentável com essas tecnologias ampliam muito, depende de qual o objetivo e o foco da empresa.
P: Com esse novo grau de proatividade dos agentes, já é possível eles fazerem sugestões ou identificarem oportunidades de forma mais autônoma?
Sim, com certeza. Aí a gente fala de geração de cenários e prognósticos. O que acontece se eu tiver um aumento de X% na demanda? O que acontece se eu tiver uma redução de Y% na demanda?
A gente sempre tem que imaginar, e acho que é um ponto que a gente deve refletir muito, que a cadeia de supply chain só trabalha em sinergia, porque senão é silo. Se eu tô imaginando que é silo, eu não tô preocupado com o impacto no meu cliente, no meu fornecedor. Agora, se eu estou imaginando que é uma cadeia toda conectada, a coexistência entre esses atores da cadeia deve ser o ponto principal.
Não adianta esmagar meu fornecedor para trazer produto dentro do meu armazém, sendo que ele não vai conseguir ter sustentabilidade nisso. O foco em atender as necessidades do cliente é o principal, desde que respeite os pontos da minha cadeia. Essa sinergia é muito importante, e o que habilita ela? Tecnologias como a inteligência artificial.
P: Você enxerga um futuro em que diversas empresas de uma mesma cadeia estão cada uma com seus agentes conversando entre si?
Sim, sim, e é exatamente isso. É muito legal essa analogia, que é a IA conversando com a IA. Porque cada uma tem seu objetivo, e é tão interessante o compliance que existe através de tecnologias que têm a possibilidade de ter essa sinergia, de ter a IA conversando com a IA, que elas respeitam os seus objetivos. Então, quando a gente tem IA conversando com a IA, a gente gera resultados exponenciais, porque são dois modelos, duas metodologias totalmente estratégicas que são divergentes, mas que convergem em determinados pontos. Então a IA com a IA dá um resultado muito melhor do que só a IA com o humano, por exemplo.
P: Mas existe uma preocupação crescente sobre os impactos éticos e a IA se alimentar de informações geradas também por IAs, não é?
É que quando a gente olha a perspectiva do que são os pilares de uma construção de IA, passa diversos aspectos sobre ética, sobre compliance, sobre regulamentação que inclusive é uma pauta que tá sendo discutida no Brasil, para a gente ter tudo isso regulamentado. Então por mais que pareça ser uma terra de ninguém, não é, existe um método, um conceito e uma ética por detrás.
P: Quais são os riscos de depender excessivamente da IA na cadeia de suprimentos? Como as empresas podem equilibrar o uso de tecnologia com o fator humano?
O ambiente corporativo, mesmo utilizando IA generativa, é um ambiente mais controlado. Quando a gente olha a perspectiva de supply chain e o impacto disso dentro da cadeia, a gente consegue ter previsibilidade de qual o impacto e o risco inerente através disso.
Um ponto fundamental é escolher o parceiro correto para fornecer aquele tipo de tecnologia. Uma recomendação que a gente sempre faz e não é só porque é a maneira que a gente trabalha, mas a maneira que a gente acredita que seja melhor, é a verticalização. Eu posso comprar uma ferramenta da Microsoft, por exemplo, um Copilot, onde eu posso ir lá e criar a minha própria IA pro meu supply chain e desenvolver tudo isso? Posso. Posso utilizar bibliotecas de conhecimento? Posso. Só que aí eu perco a verticalização.
Quem tá criando aquilo não tá verticalizado na indústria, não conhece as tendências, e muitas das vezes não conhece a problemática no setor. E a possibilidade de entregar algo que não vai conseguir gerar o valor esperado é muito maior.
Quando a gente olha para quem é verticalizado, quem tem IA por indústria. Eu estou no supply chain e tenho uma IA de supply chain, eu já sei qual é o foco e onde eu quero chegar, então isso facilita muito a mitigar esse risco de ter a IA por onde faça sentido. Não é "IA everywhere", que é o que a gente ouve muito. É IA onde faz sentido. Claro que depois a gente pode passar por uma transformação que pode até se chegar nesse modelo, mas no momento agora é a adoção daquilo que realmente faça sentido dentro da operação.
P: Não há como negar que a inteligência artificial está virando um pilar da digitalização logística no Brasil. Quais são os maiores desafios das empresas brasileiras ao adotar esse tipo de tecnologia?
"Acho que o primeiro ponto é que existe muita restrição de tecnologias que são emergentes. Apesar da inteligência artificial já existir no mercado como conceito desde 1970, a gente teve um boom nos últimos 2 anos e muito mais em 2024-2025, pela democratização de algumas plataformas que todo mundo começou a usar.
Então nesse aspecto, muitas das pessoas ainda não têm a visibilidade de que já é uma tecnologia provada no mercado, que consegue entregar valor. Gera aquele receio de investir em algo com que elas não se sentem tão confortáveis. Eu me coloco no lugar do dono da empresa, né? Às vezes é muito mais fácil investir em máquina e equipamento que eu tô vendo resultado ali do que uma tecnologia como a inteligência artificial para melhorar algum tipo de processo.
A segunda barreira é que, como toda a tecnologia emergente, ela chega no mercado com um custo extremamente elevado. Mas quando a gente compara a inteligência artificial com outras tecnologias, houve o down costing mais rápido da história. Então ela ficou muito acessível, muito rápido. Só que as pessoas ainda ficaram com aquele mindset de 'isso é ciência de foguete, é coisa da NASA, não cabe dentro da minha operação".
Acho que o terceiro ponto que a gente poderia falar é que existe um outro estudo, concatenado com o estudo que a gente publicou no mercado, que de 100% das provas de conceito de projetos de inteligência artificial que o mercado desenvolve para se provar ou resolver algum motivo de problema, 80% desses projetos falham. Esse é um número alarmante, né? Só que existe por detrás desse número algumas razões e a principal razão é não utilizar a ferramenta e a tecnologia correta pra resolver o problema que se predispõe a resolver.
Muitas das vezes o problema da empresa pode ser resolvido com um algoritmo matemático ou às vezes uma ferramenta mais simples, e não precisa de inteligência artificial. Então o que os fornecedores desse tipo de tecnologia fazem é primeiro entregar tudo que é solução de inteligência artificial através de casos de uso, onde a gente já sabe aonde resolver os problemas, e segundo tangibilizar, pra quem tá utilizando aquela tecnologia o valor real que ela consegue entregar. E isso tem que acontecer de uma maneira rápida.
P: Depois do boom do ChatGPT, houve uma grande corrida do mercado pra oferecer essas tecnologias e também um pico de interesse das empresas. Você diria que tem muitas empresas que não estão avançadas num processo de digitalização que passaram a se interessar pelo assunto por conta do boom da IA?
Sim, com certeza. A democratização dos grandes modelos de linguagem, como o próprio ChatGPT, popularizou esse tipo de tecnologia, Mas aí quando a gente olha por um outro lado, a perspectiva da facilidade de adoção disso no mercado, a gente tá numa curva de maturidade, a gente ainda não chegou no nível ideal que a gente entende o que pode ser aplicado.
Muito embora, quando a gente olha onde tem inteligência artificial na nossa vida, tá em tudo. Você abre o seu celular e já tem uma IA embarcada, você liga a sua televisão para assistir um seriado e já tem uma IA para te dar recomendações. As pessoas ainda têm dificuldade de entender o valor que a inteligência artificial traz nos negócios, porque na vida a gente já consegue realizar.
P: Como está a adoção dessas tecnologias no Brasil em comparação com outros países?
Quando a gente olha a realidade do Brasil, a adoção acaba sendo um pouco mais lenta, considerando o nível de maturidade. O Brasil ainda está no momento da descoberta de algumas tecnologias, como os próprios agentes. Em comparação com outros mercados que já descobriram esse valor, eles já estão adotando isso como uma vantagem competitiva, ou seja, a empresa que tem isso, ela já está saindo na frente da sua concorrência com essa tecnologia.
Eu acho que a gente ainda tem que aprender um pouquinho com esses mercados globais. Porém, por outro lado a gente tem uma facilidade muito grande de adoção, porque muitas das coisas que acontecem no mercado brasileiro, olhando para a intralogística, acontecem muito rápido, diferente de outros mercados.
Eu acho que se a gente tiver a possibilidade de ter as pessoas com a mente um pouco mais abertas sobre esse tipo de tecnologia, a gente consegue superar isso de uma maneira mais rápida do que aconteceu globalmente. Mas ainda falta aquele passo inicial para gente conseguir começar.
As empresas não podem ter receio. Antigamente tinha isso, quando a gente falava de WMS, de RP, ficava aquele negócio de 'eu vou esperar o meu vizinho dar com a cara na parede pra um fornecedor resolver o problema e aí eu ir lá e começar a usar'. Hoje é o contrário, se eu não tomo o primeiro passo o outro vai fazer e vai ganhar o meu. Hoje a condição sine qua non é adotar tecnologias que são emergentes e, mesmo que falhe, que falhe rápido e que traga o benefício rápido também.
P: Que tipo de retorno você tem observado que as empresas brasileiras têm ganhado com essa adoção?
As empresas do Brasil estão ainda em um nível de evolução de compreensão dos problemas que se podem resolver através da inteligência artificial, muito embora a gente tenha um vórtex de investimento de IA gigantesco, chegando aí na casa de R$ 10.2 bilhões até 2030. É muito dinheiro.
A gente vê muito valor no que diz respeito ao processo intralogístico, onde as empresas conseguem ter uma melhoria de eficiência operacional. A gente tem o caso da Blu Logística, por exemplo, que obtiveram 40% de melhoria operacional em processo intralogístico, através de tecnologias que tem inteligência artificial embarcada.
Em outros casos, a gente tem a melhoria não só do processo operacional, como um caso internacional que a gente tem da Combilift, eles aumentaram a conversão de vendas deles em 35%, utilizando agentes para fazer a automatização do recebimento de pedidos. Só que imagina você faturar 35% a mais. Gera um problema logístico se você não estiver bem organizado. Então eles utilizaram a IA também para fazer um planejamento e previsão da demanda, para não ter uma ruptura concatenada com esse aumento de pedidos.
Então a sinergia entre as áreas é um ponto que é extremamente válido e que a IA consegue contemplar nos dois pontos ou seja, eu evito uma ruptura e aumento a minha quantidade de receita que não estava planejada, mas que pode acontecer da noite pro dia.
P: Quais setores da indústria brasileira estão mais avançados nessa adoção?
Vamos chamar o setor logístico como um todo com o maior potencial de adoção. As empresas que estão muito focadas no e-commerce, por exemplo, estão com uma velocidade mais acelerada de adoção, porque a conversão de vendas gera um resultado financeiro muito grande quando existe uma IA embarcada.
Dentre outras áreas que estão adotando muito também tem o próprio agronegócio, que tá adotando muita inteligência artificial. E todos os componentes! Tô falando de blockchain, tô falando de IoT, tô falando de automatização, tô falando de uso de drones e de outros periféricos. O supply chain da indústria automotiva está super digitalizado também
As outras empresas que trabalham em distribuição, muitas das vezes no B2B, ainda estão em processo de maturidade da cadeia pra poder fazer essas automações e a utilização da inteligência artificial.
P: Como tem sido o processo de capacitação dos funcionários? Existe resistência de uma parte do mercado de perder o próprio emprego?
Quando a gente vê a automatização como um todo, quem tá lá no processo operacional fica com esse receio, né? "Uma IA vai fazer essa automatização que eu faço hoje?" A resposta é sim, ela tem a capacidade de fazer. A pessoa que ela já tem esse tipo de percepção tem que buscar uma formação em tecnologia.
Tem um estudo super interessante também eu acho que é legal a gente falar do Fórum Mundial que fala sobre o futuro do trabalho. Das 10 habilidades que esse relatório diz que são habilidades importantes, 7 têm inteligência artificial envolvida. O que que eu leio quando eu entendo essa mensagem? Que eu tenho que estar capacitado em alguma coisa de inteligência artificial pra poder gerar valor dentro da minha empresa.
Porém a gente sabe que essa velocidade da transformação na formação dos talentos no mercado, ela ocorre numa velocidade mais lenta, né? Então a recomendação é a especialização verticalizada, por tópicos. Ser um data scientist, ou ser uma pessoa que conheça muito bem prompts para poder extrair o máximo do ChatGPT ou de qualquer outro LLM, faz muito sentido, porque é uma coisa que entrega valor rápido, que já me habilita naquele negócio e acho que o mais importante, mantém a minha empregabilidade, que é o que acho que todo mundo tá procurando.
James Barroso é um executivo de tecnologia com 25 anos de experiência na liderança de transformação de negócios por meio da IA e tecnologias avançadas. Formado em Ciência da Computação, ele ampliou sua expertise com especializações em Planejamento Estratégico e Inteligência Artificial nas Universidades de Harvard e Chicago, combinando visão estratégica e técnica.
Com uma bagagem profissional sólida e multifacetada, James enfatiza que a tecnologia evolui em duas direções: a operacional e a estratégica. Atualmente, lidera a transformação de negócios na Infor, com o objetivo de empoderar os clientes com inteligência e adaptabilidade.