I. Uma cidade com memória: quando a história do comércio se projeta no presente
Porto não foi escolhida por acaso. Suas pedras centenárias ainda guardam o eco das grandes navegações, das alfândegas imperiais e das rotas atlânticas. A antiga Alfândega do Porto, hoje convertida em Centro de Congressos à beira do Douro, será novamente palco de debates internacionais — mas, desta vez, sobre o futuro das próprias fronteiras. Entre os dias 3 e 5 de setembro de 2025, a cidade sediará a XVII Reunião Mundial de Direito Aduaneiro, transformando-se no epicentro das discussões mais estratégicas da governança comercial global.
O retorno do evento a Portugal, após mais de 15 anos desde a edição em Lisboa (2009), não é apenas simbólico: é oportuno. Em meio a guerras tarifárias, conflitos regulatórios, crises geopolíticas e uma crescente fragmentação das cadeias logísticas, reunir as vozes técnicas e jurídicas da comunidade aduaneira mundial é um gesto político. Sob o lema “Controle Aduaneiro na era da Sustentabilidade, Digitalização e Segurança num cenário de Guerra Comercial”, a reunião promete mais que diagnósticos: aponta caminhos.
II. Eixos temáticos: entre o realismo técnico e a urgência regulatória
A programação da Reunião Mundial foi desenhada em torno de cinco eixos temáticos estratégicos, que espelham os desafios centrais do comércio internacional contemporâneo:
1. Sustentabilidade e comércio verde: Regulamentações ambientais estão deixando de ser apenas condicionantes técnicas para se tornarem cláusulas centrais dos acordos comerciais. A presença de especialistas como Lars Karlsson (Maersk), Florencia Sarmiento (IISD) e Axel Marx (Universidade de Leuven) confirma que a conformidade ambiental deixou de ser um diferencial e tornou-se uma exigência sistêmica.
2. Transformação digital e inteligência artificial nas aduanas: O uso de IA na classificação, na gestão de riscos e na rastreabilidade das cadeias é inevitável. A mesa com Natalia Mathá (Universidade de Klagenfurt) e António Côrte-Real Neves aponta para uma nova fronteira de tecnopolítica aduaneira: algoritmos também classificam, e isso impõe novos debates sobre transparência e justiça fiscal.
3. Segurança na cadeia logística e combate a ilícitos: Em um mundo onde o terrorismo, o contrabando e as falsificações coexistem com megaplataformas de e-commerce, a lógica do operador confiável ganha ainda mais importância. Fernando Pieri Leonardo (ABEAD) e Fabiano Coelho (Receita Federal do Brasil) trarão visões sobre como o OEA pode se transformar em política pública de segurança.
4. Geopolítica, guerras comerciais e medidas de defesa: A tensão crescente entre grandes blocos, os embargos, as sanções e o uso das tarifas como armas de pressão tornaram o Direito Aduaneiro uma ferramenta geopolítica. A presença de Alejandro Ramos Gil, ex-presidente da ASAPRA e da IIFA, e do Prof. Hans-Michael Wolffgang (Universidade de Münster), amplia esse olhar para além do tecnicismo.
5. Capacitação profissional e fortalecimento institucional: Em um cenário em que a velocidade regulatória supera a capacidade de atualização dos profissionais, a formação torna-se pilar. Karolyn Salcedo e Alejandro Arola darão o tom deste painel: formar para antecipar, e não apenas para reagir.
III. Presenças estratégicas: pluralidade, relevância e projeção continental
Entre os nomes confirmados estão Helena Borges, diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal; Sara Armella, conselheira da Junta Diretiva da ICLA; Andrés Rohde Ponce, presidente da ICLA e voz influente da doutrina aduaneira no espaço ibero-americano; e Mário Jorge, bastonário da Ordem dos Despachantes Oficiais (ODO), anfitrião institucional do evento.
Outras presenças confirmadas: Dr. Cláudio Pereira e Raquel SegalLa, aduaneiristas e observadores da conjuntura aduaneira regional; Henry Thompson Arguello, consultor jurídico da ICLA e um dos fundadores da entidade; e Elson Isayama, presidente do SINDASP e diretor da Feaduaneiros do Brasil. A diversidade geográfica é marcante: representantes da OMC, da ICC, da Receita Federal do Brasil, das Aduanas de Portugal, Espanha e Panamá compõem uma constelação técnico-jurídica rara de se reunir presencialmente.
A presença de Alejandro Ramos Gil — ex-presidente da ASAPRA, entidade que reúne despachantes aduaneiros de três continentes — reforça o caráter verdadeiramente internacional do encontro, projetando a voz da América Latina nas discussões sobre guerras comerciais, sanções e barreiras não tarifárias. Também estará presente Nelson Brens, presidente da ASAPRA. A entidade, que reúne profissionais aduaneiros de três continentes, tem ampliado sua atuação institucional em fóruns internacionais, fortalecendo a representação técnica do setor no debate sobre integração comercial e simplificação normativa.
IV. Arquitetura institucional e engajamento global
A estrutura institucional do evento é robusta. A ICLA lidera a organização ao lado da ODO, da SPCA Advogados e da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Porto). Patrocinadores como a MIC Customs Solutions, Rangel Logistics, Morais Leitão Advogados e Fundación Aduanera reforçam o vínculo entre a doutrina e a prática.
O evento mobiliza também a imprensa especializada, redes acadêmicas, associações profissionais e o setor privado. A cobertura orgânica nas redes sociais — especialmente no LinkedIn — revela o prestígio do encontro. O engajamento de instituições como a CONFIAD e o apoio institucional do governo português — com o convite ao Primeiro-Ministro Luís Montenegro para a cerimônia de encerramento — dão à reunião um peso de cúpula internacional.
V. O Porto como alegoria aduaneira
Porto acolhe o evento como quem se reencontra com seu destino histórico. Cidade portuária, alfandegária e mercantil, que agora recebe o pensamento aduaneiro global em um edifício que já foi alfândega, num país que abriu o mundo ao comércio.
A XVII Reunião Mundial de Direito Aduaneiro não será apenas uma conferência técnica. Ela será, sobretudo, um fórum estratégico, um mapa de tendências e um radar geopolítico. Ao reunir os principais atores do Direito Aduaneiro em três línguas e múltiplos continentes, o encontro reposiciona o Porto no tabuleiro global do comércio — não mais como entreposto de mercadorias, mas como entreposto de ideias.
*Marcelo de Castro é Despachante Aduaneiro Oficial – Diretor de Marketing Institucional do SINDASP – Responsável pelas Relações Institucionais e Comunicação da ASAPRA — Asociación Internacional de Agentes Profesionales de Aduana, organização intercontinental com representação no Comitê Consultivo do Setor Privado (PSCG) da Organização Mundial das Aduanas.