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Transporte marítimo pode adotar primeiro esquema global de precificação de carbono

Decisão sobre o Marco Regulatório Net-Zero (IMO NZF) será discutida em Londres e pode marcar um avanço histórico na diplomacia climática global
Por Redação em 15 de outubro de 2025 às 9h16
Transporte marítimo pode adotar primeiro esquema global de precificação de carbono
Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Os governos devem aprovar nesta semana o primeiro esquema global de precificação de carbono voltado ao transporte marítimo. Trata-se do Marco Regulatório Net-Zero (IMO NZF), elaborado pela Organização Marítima Internacional (IMO), agência da ONU responsável pela regulação da navegação mundial.

O texto foi aprovado em abril com o apoio de 63 países, entre eles Brasil, Índia, China, Japão, Reino Unido e os 27 países da União Europeia. Os Estados Unidos votaram contra e, desde então, têm atuado para dificultar o consenso sobre a implementação do marco.

A proposta está sendo discutida em Londres, de 14 a 17 de outubro, durante a Sessão Extraordinária do Comitê de Proteção do Meio Marinho (MEPC E.2), e será seguida por novas rodadas técnicas até o final do mês.

 

Um marco para a transição energética global

O IMO NZF é a estrutura acordada pelos países para colocar em prática o plano de transição energética do transporte marítimo, aprovado em 2023. A medida é considerada crucial no combate à mudança climática, já que a navegação é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta. Se fosse um país, o setor seria o 6º maior emissor de CO₂ e o 5º maior consumidor de combustíveis fósseis do mundo.

A decisão esperada na IMO é vista como a maior vitória da diplomacia climática em anos, por estabelecer a primeira norma global e juridicamente vinculante de precificação de carbono em um setor internacional.
Mais do que um avanço técnico, o acordo representaria um golpe direto na demanda futura por petróleo e um sinal político poderoso às vésperas da COP30, que será realizada em Belém (PA), de que o multilateralismo climático ainda pode gerar resultados concretos.

 

Estrutura e objetivos do IMO NZF

O Marco Regulatório Net-Zero é composto por dois pilares integrados:

  1. Metas de intensidade de carbono, que determinam reduções graduais nas emissões por tonelada transportada;
  2. Sistema de precificação e incentivos, que impõe taxas sobre emissões e cria recompensas para embarcações movidas por energias e tecnologias de emissão zero ou quase zero (ZNZs).

Nessa categoria, ganham destaque os biocombustíveis avançados e os e-fuels (combustíveis sintéticos neutros em carbono), considerados soluções promissoras para atender às exigências energéticas da navegação de longo curso.
A expectativa é que o NZF estimule investimentos em combustíveis limpos e infraestrutura portuária de baixo carbono, abrindo uma nova etapa de competitividade sustentável no transporte marítimo global.

 

Combustíveis controversos e críticas ambientais

Apesar do amplo apoio, há preocupações sobre o alcance e a integridade ambiental do marco.
Entre especialistas e organizações ambientais, o principal temor é que o NZF acabe incluindo combustíveis insustentáveis, como o Gás Natural Liquefeito (GNL), frequentemente promovido como alternativa “mais limpa”.

“O GNL deve ser excluído do Marco de Emissões Zero, ou a IMO corre o risco de promover uma falsa solução e comprometer sua credibilidade climática”, alerta Elissama Menezes, diretora da Equal Routes.

Segundo ela, as emissões de metano — gás de efeito estufa 82 vezes mais potente que o CO₂ — provenientes de embarcações movidas a GNL aumentaram 180% entre 2016 e 2023, contrariando o discurso da indústria sobre combustíveis de transição. “O GNL é fundamentalmente incompatível com as metas de descarbonização do setor marítimo”, completa Menezes.

 

 Vozes das nações insulares

Para os países insulares, os mais vulneráveis à crise climática, o Marco Net-Zero é considerado pouco ambicioso.
Muitos se abstiveram da votação de abril, cobrando metas mais rigorosas e prazos mais curtos para a eliminação de emissões no transporte marítimo.

Simon Kofe, ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, reforçou a posição das nações do Pacífico durante a sessão em Londres:

“Enquanto as nações maiores e mais ricas debatem a ameaça aos meios de subsistência, os países das ilhas do Pacífico são obrigados a considerar a ameaça à vida e à própria existência do Estado. Essa é a dimensão do que está em jogo.
Estamos aqui [na IMO] para liderar com alta ambição, como sempre fizemos. Nossa abstenção na MEPC 83 foi um sinal: Tuvalu não irá carimbar resultados fracos.
Nesta Sessão Extraordinária, conclamamos todas as delegações a traçar um rumo em direção a uma transição justa e equitativa. Trata-se de mais do que transporte marítimo. Trata-se de sobrevivência. A IMO precisa encontrar coragem para entregar resultados desta vez.”

 

Apoio da indústria e próximos passos

A indústria naval apoia a adoção do marco por meio do World Shipping Council (WSC), que reúne mais de 180 empresas globais de navegação. Segundo a entidade, o NZF é essencial para garantir segurança regulatória internacional, condição necessária para destravar investimentos e dar previsibilidade à transição energética do setor.

A sessão desta semana será seguida por uma rodada técnica (ISWG-GHG-20), de 20 a 24 de outubro, na qual serão definidos parâmetros operacionais do sistema. Aspectos políticos e financeiros mais complexos devem ser finalizados até 2026, com entrada em vigor prevista para 2027.

Entre os temas pendentes estão a definição das recompensas para tecnologias de emissão zero e o destino dos recursos arrecadados, estimados em US$ 15 bilhões anuais a partir de 2030.

 

A visão dos especialistas

Nishatabbas Rehmatulla, pesquisador sênior do UCL Energy Institute, destacou:
“A clareza que virá com a adoção do Quadro Net-Zero não deve ser subestimada. Esse sinal político tem potencial para destravar bilhões de dólares em investimentos na produção de combustíveis escaláveis de emissão zero. Apenas com sua adoção imediata a IMO terá chance de atingir as metas da Estratégia Revisada de GEE — que prevê que combustíveis de zero ou quase zero emissões representem de 5% a 10% do total até 2030.”

Davina Hurt, diretora de Política Climática da Pacific Environment, afirmou:
“Independentemente da posição dos Estados Unidos, os países devem manter-se firmes e levar o Quadro de Net-Zero até a linha de chegada em outubro. O acordo de abril é uma vitória para o clima, a saúde e os oceanos, marcando a primeira vez em que a indústria naval concorda com um preço global de carbono. Agora é preciso concretizá-lo — não apenas pelo planeta, mas pelo legado que devemos às futuras gerações.”

Elissama Menezes, diretora da Equal Routes, reforçou:
“Antes da votação do Quadro Net-Zero, os fatos são claros: o GNL não é uma solução viável. As emissões de metano aumentaram 180% entre 2016 e 2023, o que contradiz a narrativa da indústria. O GNL deve ser excluído do marco, ou a IMO corre o risco de minar sua credibilidade climática.”

 

Perspectiva africana

Maria Ogbugo, consultora marítima do Africa Policy Research Institute, afirmou:
“O Fundo Net Zero criado sob o Quadro de Net-Zero da IMO oferece uma oportunidade crucial para tornar a transição marítima mais equitativa. Para a África, onde as frotas são limitadas e envelhecidas, e o acesso ao financiamento naval tradicional tem sido escasso, o acesso justo a este Fundo pode permitir a renovação das embarcações e apoiar as ambições do continente no âmbito da Área de Livre Comércio Continental Africana. Para garantir uma transição verdadeiramente justa e inclusiva, é essencial que o desenho do Fundo inclua janelas de financiamento dedicadas às economias em desenvolvimento.”

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