Por se tratar de uma cooperativa, vocês têm uma estrutura organizacional bem diferente de um operador logístico tradicional, certo? Conte-nos mais a respeito disso.
Osni Roman - Uma cooperativa vem da união de indivíduos em busca de um objetivo comum. E com a Coopercarga foi exatamente assim. Um grupo de 143 pequenos transportadores, entre pessoas físicas e jurídicas, se juntou em 1990 em Concórdia (SC) para encontrar novas soluções para o transporte. O líder de fato, na época, foi o Pedro Garcia, já falecido, mas eu fiz parte da fundação da cooperativa, como um jovem empresário do ramo de transporte que, em sociedade com meu irmão, contava com cinco caminhões e viu uma boa oportunidade na atuação como cooperado.
Naquela época os veículos que saíam da região de Concórdia e viajavam Brasil afora tinham muita dificuldade para encontrar cargas para a viagem de volta. Além dessa questão, é claro que da união dessas empresas poderiam surgir outras possibilidades e alternativas voltadas para os negócios. Outro objetivo visado desde o início era a óbvia redução de gastos, com a realização, por exemplo, de compras conjuntas de ativos e o compartilhamento de estruturas físicas para suportar as transferências de carga.
Então a Coopercarga surgiu a partir desse modelo de negócio baseado na união entre empresas. E no decorrer da história da cooperativa nós fomos crescendo, as coisas foram mudando e se moldando ao longo do tempo, até chegarmos à estrutura que temos hoje. Nós começamos totalmente focados em operações de transporte e hoje atuamos como um verdadeiro operador logístico, com espaços de armazenagem também, além de outros negócios, como o de postos de abastecimento.
Essa evolução para um operador logístico foi um reflexo do que o mercado exige, do que o cliente espera, com um serviço mais completo, não somente de transporte da carga, mas também de armazenagem. O diferencial de mercado está justamente em agregar valor aos serviços oferecidos, por isso nós decidimos olhar para a logística de uma forma mais holística e oferecer também os serviços de armazenagem.
Atualmente nós somos 1.700 cooperados. E vários dos que estão conosco hoje fazem parte do grupo daqueles que fundaram a Coopercarga.
O que é preciso para ser um cooperado?
Roman - O cooperado é uma pessoa física ou jurídica que tem pelo menos um veículo e que concorda com os princípios do sistema cooperativo. E o princípio primordial é que ninguém tem mais ou menos direitos, independente do tamanho da empresa ou da frota. A cooperativa tem a responsabilidade de gerar resultados para seus cooperados e, ao mesmo tempo, para si mesma. Toda a gestão fica por conta da Coopercarga e os resultados de cada cooperado são proporcionais ao seu trabalho.
Não é preciso contar com estruturas físicas, como armazéns, para ser um cooperado. Nosso carro chefe nesse sentido continua sendo a vocação para o transporte, então o que realmente é necessário é que o cooperado tenha caminhões. Hoje são mais de 2 mil caminhões em atividade, dos 1.700 cooperados.
Existe alguma regra quanto ao tipo de veículo necessário?
Roman - As necessidades relativas aos veículos são identificadas de acordo com os nichos de atuação, situação do mercado, tipo de carga etc. E os cooperados participam ativamente de decisões como essas, de todo o planejamento estratégico. São eles que fazem a cooperativa, afinal.
Como se configura a estrutura organizacional da Coopercarga?
Roman - Nós temos três conselhos, o de Administração, o Fiscal e o de Ética, que são eleitos pelos sócios da cooperativa. São esses conselhos que tomam as decisões de gestão e dão as diretrizes para tudo que é feito pela equipe executiva. Eu sou o presidente executivo e também do conselho de Administração, e sou um cooperado. É preciso ser um cooperado para ser eleito. E nós temos também profissionais contratados que exercem funções de gestão executiva.
É a equipe da cooperativa que identifica as oportunidades de negócios para os cooperados?
Roman - Exatamente. É essa equipe executiva da própria Coopercarga que desenvolve os negócios, e os veículos e motoristas dos cooperados estão à disposição da cooperativa para realizar as operações. Essa equipe fecha os negócios, direciona a execução e gerencia tudo. Existe um Centro de Controle Operacional (CCO) em Concórdia, onde o controle da frota é centralizado, com toda a tecnologia necessária para gerenciar e monitorar as atividades de transporte. Além disso, existem filiais espalhadas pelo país que funcionam como polos tanto comerciais quanto operacionais para se relacionar com os clientes de cada região.
É possível dizer que as oportunidades são as mesmas para todos os cooperados?
Roman - As oportunidades são equivalentes, e a cooperativa busca desenvolver todos os seus cooperados da mesma maneira, mas é claro que existem muitos fatores que tornam os resultados de cada um deles bastante variáveis ao longo do tempo. Alguns associados são mais agressivos, por exemplo, ou mais arrojados. Outros são mais moderados. Além disso, quando surge uma oportunidade e ela é disponibilizada entre os cooperados, existem alguns critérios de desempate entre os que têm interesse, como know-how, características da frota etc.
E não podemos ignorar também que cada negócio se desenvolve de maneira diferente com o passar do tempo. Então duas empresas muito semelhantes podem começar operações também muito semelhantes, mas nem sempre elas vão prosseguir da mesma maneira. Os resultados variam muito, mas a cooperativa procura sempre dar oportunidades para todos, de maneira equilibrada.
A atividade de transporte abrange todo o Brasil?
Roman - Todo o Brasil e também o Mercosul, desde 1994, com atividades na Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai e, mais recentemente, no Peru e na Bolívia também.
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Quais são os principais produtos com os quais a Coopercarga opera?
Roman - Nossa origem está muito ligada a produtos do setor alimentício, bastante forte na nossa região, devido à agroindústria. E os negócios da Coopercarga sempre estiveram mais ligados ao transporte do produto acabado, à distribuição para o varejo. Os alimentos ainda são muito fortes nas nossas operações, mas com o tempo fomos integrando outros bens de consumo, como bebidas e produtos de higiene e limpeza, depois químicos e petroquímicos, chegando até o transporte de contêineres. Hoje nós trabalhamos com uma grande variedade de cargas.
Vocês operam com produtos de temperatura controlada também?
Roman - Sim, nós trabalhamos com secos, refrigerados e congelados, tanto no transporte quanto na armazenagem.
E como se configura a estrutura física da cooperativa?
Roman - Hoje são cerca de 60 unidades espalhadas pelo país, entre essas filiais e escritórios, armazéns, pátios, postos de abastecimento e também operações in house. Essas unidades pertencem à própria cooperativa, e não aos cooperados, que, como eu disse, só precisam contar com caminhões.
Esse é um aspecto muito importante de uma cooperativa. Muitas vezes uma empresa não tem condições de contar com unidades espalhadas por vários estados, ou com escritórios desenvolvendo negócios em outras regiões, mas no sistema de cooperativa, a união faz com que ela possa desfrutar de tudo isso. Contar com estruturas tem um custo muito elevado, e diluindo esse custo fica tudo muito mais fácil. Várias empresas juntas formam uma grande companhia.
Vocês são uma cooperativa bastante focada no transporte, mas qual a importância da atividade de armazenagem nos negócios da Coopercarga?
Roman - Nós olhamos para a armazenagem realmente como um negócio diferente, com resultados, investimentos e números separados do transporte. Conectado com os demais negócios, é claro, mas ainda assim com uma gestão diferente. Uma das decisões de gestão estratégica que foi tomada lá no início é que a Cooperativa não investiria em caminhões, mas investiria na infraestrutura de armazéns e unidades de abastecimento, por exemplo.
Hoje nós temos cinco armazéns, localizados em Recife, Divinópolis, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro. São pontos bastante estratégicos para as nossas operações.
As unidades de abastecimento que você citou são postos de combustível tradicionais?
Roman - Sim, são postos de combustível. Essa ideia foi colocada em prática bem no início da história da cooperativa e faz parte do objetivo de reduzir os custos para os cooperados. No começo as unidades eram para uso próprio, mas com o tempo isso foi virando um negócio maior dentro da Coopercarga, e hoje nós temos postos localizados nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, voltados tanto para a nossa frota quanto para atender o mercado em geral.
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Como você avalia o atual momento do mercado brasileiro?
Roman - Apesar de tudo que vem acontecendo, a Coopercarga teve um 2018 muito bom, crescendo mais de 20% na comparação com o ano anterior. Então nós estávamos otimistas e planejamos, para 2019, um acréscimo de pelo menos 20% novamente, tendo como base uma expectativa de crescimento dos negócios já existentes e também de oportunidades de novos negócios, de acordo com o clima de otimismo para o país.
Porém, as perspectivas de crescimento da economia não se concretizaram até agora, então no momento nós estamos um pouco abaixo da meta estabelecida. Os negócios ainda vão bem e a Coopercarga está crescendo, mas não na medida que nós esperávamos. Hoje o crescimento da receita é da ordem de 10%, e estamos esperando uma melhora para o segundo semestre, mas sabemos que isso depende muito do cenário econômico do país. Provavelmente nós não vamos atingir os 20% previstos, mas a intenção é chegar bem próximo disso.
Quais são as suas expectativas a respeito da reforma tributária?
Roman - O Brasil precisa reduzir a carga tributária, que representa um grande peso para os operadores logísticos. Nosso país ainda precisa entender melhor quem é exatamente o operador logístico para resolver certas questões, e a Associação Brasileira dos Operadores Logísticos (Abol), à qual a Coopercarga é filiada, luta muito por isso. Essas questões incluem os impostos também. Hoje existem até mesmo tributações duplas, e no sistema cooperativo nós temos problemas similares, que precisam ser analisados com mais atenção. Nós fazemos parte também da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que trabalha para garantir que tenhamos as mesmas condições das demais companhias.
Quantas pessoas trabalham na Coopercarga?
Roman - Atualmente são quase 900 profissionais diretos na cooperativa. Colaboradores registrados sob a CLT pela própria Coopercarga, entre equipes Comercial, Operacional e Administrativa. Nós sempre tivemos uma preocupação muito grande com o desenvolvimento pessoal e profissional, tanto de colaboradores diretos quanto de cooperados. Uma cooperativa é feita de pessoas, no fim das contas, e o motorista, em especial, é a base das nossas operações.
Nós apoiamos e somos mantenedores há muito tempo da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet), por exemplo. Hoje nós temos também uma parceria muito interessante com o Sest Senat, por meio da Abol, para desenvolver executivos que queiram cursar MBA na Fundação Dom Cabral (FDC). E existem muitos outros investimentos no nosso pessoal. Se o profissional quer fazer um curso de graduação, por exemplo, a Coopercarga apoia com até 50% do valor da mensalidade. Nós temos muita satisfação em fazer isso, e enxergamos como um verdadeiro investimento.
Vocês têm investido muito em tecnologia?
Roman - Sem dúvidas. Há cerca de dois anos nós passamos a contar com uma área interna voltada à inovação, que estimula o desenvolvimento de novas ideias. Dentro desse conceito foi criado nosso Innovation Center, que está localizado em Curitiba. Ali nós trabalhamos de forma totalmente aberta, compartilhando experiências e ideias com todo o mercado, com a intenção de apostar realmente em inovação de uma maneira bastante abrangente, não somente ligada às operações da própria Coopercarga e também não somente ligadas à tecnologia da informação, à informática, mas de todas as formas possíveis. É um centro de desenvolvimento e testes de novidades com uma visão extremamente ampla, conectado a universidades e outros centros de pesquisa ao redor do mundo.
Outra questão que vale à pena destacar são nossos esforços para reduzir o impacto das operações rodoviárias no meio ambiente. Estamos trabalhando muito para mitigar a emissão de gases do transporte. Nós já temos algumas iniciativas pontuais e outras em estudo, e vamos nos tornar muito mais agressivos nessa estratégia daqui pra frente. A iniciativa mais recente é a utilização de um veículo movido a gás liquefeito de petróleo, em conjunto com a Ambev. Enquanto a frota de veículos brasileira não evolui para o ponto de zerar as emissões, com veículos elétricos, por exemplo, nós buscamos maneiras de mitigar esse impacto com combustíveis alternativos ou compensação ambiental.
No momento o que nós estamos fazendo é olhar para essa questão com mais profundidade. Essa responsabilidade social é um fator inerente ao setor cooperativo, faz parte dos nossos valores. O cooperativismo, na sua essência, não tem como missão primordial obter lucro, por isso questões como sustentabilidade são muito importantes sempre.